sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A diametral oposição entre a série e filme em Cowboy Bebop

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Semana passada apresentei a minha digníssima namorada o filme de Cowboy Bebop. Foi o primeiro contato dela com a série e logo ela ficou animada para assistir o anime. Ela ainda não viu o anime, mas pelos comentários que ela me fez ao final do filme e a discussão que tivemos, eu concluí que, talvez, ela não fosse gostar tanto assim da série animada.

Eu também me encontro nessa, pois acho o filme superior ao anime, embora a série já tenha sido eleita por este que vos escreve como o melhor anime de todos os tempos. Após tantos anos sendo fã de Cowboy Bebop (e do trabalho do Shinichiro Watanabe, como um todo), eu finalmente descobri a razão da minha preferência: o filme é diametralmente oposto à filosofia da série.

Assumo que você conheça a ambos e se não conhece, imagino que seja melhor você conferir o filme e a série, ou pelo menos, se inteirar do que se trata essa obra para melhor absorver o conteúdo desse post.

A série é uma tragédia e isso não é segredo para ninguém. Ela começa e termina com Spike Spiegel, ele é o personagem principal, um anti-herói e que acaba morto no final de uma maneira grandiosa, na escadaria de uma catedral, com a tela embranquecendo, cravado de bala, sangrando baldes, após ter se despedido de todos os seus amigos de nave. A história de Spike é uma tragédia no sentido mais clássico do termo, não deixando nada a dever para as histórias de Édipo Rei ou Hamlet.

Além da tragédia, temos ainda a presença de uma série de diálogos espirituosos entre os seus personagens que nos remontam a escolas filosóficas que corroboram essa atmosfera trágica do anime, como o existencialismo de Sartre, que penetra no anime sem a menor sutileza logo no segundo episódio. O existencialismo, apesar de negar a excelência da experiência humana, aprofunda debates que surgem em peças trágicas como Hamlet, por exemplo.

Ser ou não ser, eis a questão do existencialismo.

Tudo isso cria na série uma aura melancólica, na melhor das hipóteses e até niilista, numa interpretação mais repulsiva. Realisticamente falando, é uma série difícil de ser engolida ao se chegar no final, com uma aura filosófica negativa. Reassistir a série é uma atividade amarga.

E então temos o filme.

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Criado 2 anos depois da série, o filme nos apresenta os mesmos personagens, em momentos antes dos últimos episódios e uma mudança radical na filosofia apresentada. Spike continua sendo um cara levado pelos acontecimentos, ele já está morto, um de seus olhos só enxerga o passado e ele enfrenta, no filme, um cara que está querendo destruir o mundo.

Vincent, assim como Spike, já está morto por dentro. Ele, inclusive, já perdeu a memória e está com o controle de um vírus que mata as pessoas rapidamente, pretendendo lançá-lo sobre Marte, afim de acabar com toda a população humana por lá.

Spike não é bem a sua contraparte, mas há uma diferença pontual e muito importante entre eles: Spike não é destrutivo. Spike pode até ser um suicida e tem atitudes caóticas, mas ao final do filme, ele derrota Vincent não pelo valor da recompensa, mas por não querer que o mundo seja destruído, em especial, a Elektra. Podemos assumir que ele se apaixonou e isso o motiva a salvar o mundo. Sabemos que é uma paixonite, mas, de qualquer forma, é o bastante para ele salvar o mundo.

Ao final, ainda vemos a icônica frase "Are you living in the real world?" enquanto Knock a Little Harder termina de ser tocada ao fundo. A música nos contra sobre um eu-lírico que está afundando cada vez mais em isolamento e desolação, mas nas últimas estrofes acaba descobrindo que isso não é vida e tenta escapar. Não sabemos se ele consegue, mas ele tentará, cada vez mais forte.

A mensagem é fortemente positiva, embora inconclusiva. É uma positividade sutil, caindo num espectro filosófico diametralmente oposto ao da série. No filme não há claras referências a filósofos, mas é possível inserir os questionamentos dentro da escola humanista.

And the more that I knocked
The hotter I got
The hotter I got
The harder I knocked
I just gotta break through the door


Gotta knock a little harder


O filme de Cowboy Bebop, ao contrário da série, é uma ode a vida e acho que é por isso que muitos dos fãs não gostam tanto do filme. Ele é um chamado ao amadurecimento, a fuga do casulo que nos isolam do mundo real, ao crescimento! E essa é uma mensagem que poucos conseguem engolir.