terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A mensagem radical d’As Meninas Superpoderosas

 

Há algumas semanas comecei a maratonar As Meninas Superpoderosas, simplesmente por uma questão de nostalgia e o que eu acabei vendo não foi apenas um desenho infantil que fizera parte da minha infância, mas uma obra genuinamente corajosa e honesta que, se fosse devidamente restaurada, poderia representar uma evolução muito positiva para as nossas crianças.

As Meninas Super Poderosas é uma série em desenho animado iniciada em 1998 e terminada em 2005, totalizando 6 temporadas. Criada por Craig McCraken e transmitida originalmente pelo Cartoon Network, ela foi considerava uma verdadeira mania nos EUA no final da década de 90. No Brasil, era exibida pela filial brasileira do canal americano e também pelo SBT. Contando a história de 3 garotas (Florzinha, Lindinha e Docinho) que foram criadas em laboratório pelo professor Utônio e lutam com seus super-poderes para combater o mal que assola a cidade onde vivem, Townsville. A maioria dos episódios é dividido em 2 partes, onde cada uma funciona como um episódio isolado, geralmente tratando de desafios que as meninas enfrentam usando seus super-poderes.

No entanto, há episódios que fogem um pouco a essa temática e além de apresentar as meninas lutando, também apresentam mensagens para os pequenos. O recurso é muito comum nos desenhos animados, porém o incomum em algumas dessas mensagens é a coragem que seus criadores tiveram ao assumirem posições muito radicais, porém necessárias para a nossa sociedade.

Já é de amplo conhecimento entre a bolha mais racional da internet o episódio em que o Macaco Louco se faz de oprimido para chamar a atenção de ativistas dos direitos animais e assim evita ser detido pelas Meninas e consegue roubar equipamentos para formar uma máquina de destruição. O que não é tão divulgado são outros episódios que fariam a bolha mais racional se apaixonar pelo desenho, como, por exemplo, o episódio em que uma vilã feminista convence as Meninas a derrubarem o patriarcado, enquanto ela continua cometendo seus crimes. Ao final do episódio, as meninas são convencidas da negatividade desse radicalismo por um grupo de mulheres que sofreram nas mãos da vilã.

Outro episódio menos conhecido, porém muito bom também, é o episódio em que uma associação de pais elabora um documento proibindo as meninas de usarem seus super-poderes porque elas estão influenciando negativamente as crianças da cidade e aí as taxas de crime sobem vertiginosamente. E enquanto a cidade cai no caos, os responsáveis pela associação se escondem em sua casa enorme e cheia de dispositivos de segurança, sem se preocupar com o mundo exterior, como verdadeiros demagogos.

E claro, não podemos esquecer do prefeito, que é sempre mostrado como um preguiçoso, às vezes corrupto e mentiroso. No episódio em que as mentiras ganham uma encarnação num bicho branco e que vai aumentando conforme as mentiras são contadas e só pode ser detido ao se contar verdades, o prefeito aparece no final do episódio dizendo que acabara de fazer o seu discurso de reeleição e tinha um problema pra elas resolverem. O problema era uma encarnação da mentira maior do que os prédios mais altos da cidade.

Todos esses são exemplos da mensagem racional de As Meninas Superpoderosas nos apresentando exemplos e temas que poderiam nos ajudar em muitos problemas de hoje, porém, para mim, o melhor episódio é um que foge inclusive a estrutura clássica dos episódios.

O referido episódio é o décimo segundo da quinta temporada, chamado “See Me, Feel Me, Gnomey”, que não só apresenta uma mensagem racional, mas muito libertária. O episódio inteiro é um musical e ele não é dividido em 2 partes, começando com os principais vilões da série atacando a cidade simultaneamente.

Como de costume, as meninas aparecem, mas não conseguem deter os vilões, pois todos eles juntos são fortes demais para ela. Então aparece um gnomo misterioso, oferecendo a elas eliminar os vilões em troca dos superpoderes delas. As meninas acabam aceitando, não só porque irão se livrar dos vilões, mas também porque irão conseguir ter sua “liberdade” finalmente, afinal sem os superpoderes terão a possibilidade de serem tratadas como crianças normais.

Dessa forma, o gnomo consegue o que quer e some com os vilões, porém o que ninguém em Townsville (mas nós, espectadores, já esperávamos) é que ele almejava ter o controle total da cidade. O gnomo, agora superpoderoso, constrói uma torre no centro da cidade e exige que todos os cidadãos doem para ele flores, criando um verdadeiro culto que chega a escravizar as pessoas de Townsville, as quais já não pensam por si só e vivem de cabeça baixa, resignadas, apenas doando flores para o gnomo.

Nesse ínterim até mesmo as meninas parecem felizes, até aparecer o professor Utônio e lembrá-las de que vivemos em busca de Liberdade, conquistamos posses e poderes em busca da liberdade e cada um é responsável pela sua própria Liberdade, numa verdadeira ode á responsabilidade individual de cada um em busca desse bem inigualável que é a Liberdade.

E assim, as meninas partem em direção à torre do gnomo onde travam a luta final contra ele, aproveitando para nos ensinar que o mundo tem um equilíbrio natural, onde a desigualdade é incontornável, porém isso não necessariamente é negativo. Onde há o bem sempre há o mal é o que elas nos dizem e isso podemos trazer para a nossa realidade, onde sacrificamos nossa liberdade em troca de uma falsa segurança, como se pudéssemos alcançar uma segurança utópica sem riscos. Viver é assumir riscos e é a responsabilidade necessária para assumir esses riscos que nos traz a Liberdade.

Em sua megalomania, o gnomo percebe que não é nada diante do universo e sua utopia é uma farsa. Com a cidade salva, os cidadãos de Townsville agradecem às meninas com reverências e elas não as aceitam, reforçando mais uma vez a mensagem madura, racional (e sim, libertária!) de responsabilidade individual, clamando para que Townsville seja você mesma, sem depender dos outros.

É assim que se encerra um dos melhores episódios de As Meninas Superpoderosas, concluindo com uma mensagem racional que seria muito útil para os dias de hoje, para ensinar às pessoas que elas são responsáveis pela sua Liberdade, pela sua segurança e pelo seu futuro, não devendo esperar que ninguém (muito menos alguma figura de poder centralizada) faça o que somente elas devem fazer.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Dica musical: "K.G." do King Gizzard and the Lizard Wizard


Que o King Gizzard and the Lizard Wizard é uma das melhores bandas de rock da atualidade isso ninguém nega. Agora que eles podem ser inovadores no cenário musical isso é uma questão em aberto, mas K.G. vem responder a essa questão.

Em 2017, o King Gizzard iniciou um projeto de lançar 5 álbuns naquele ano e eles cumpriram com o objetivo, lançando 5 álbuns completos, mas foi o primeiro o que mais chamou a atenção. Flying Microtonal Banana apresentava a banda explorando sons microtonais. Mais detalhes sobre eles você pode ver aqui, porque o que interessa nessa dica é que eles voltaram a explorar esses sons de maneira muito corajosa.

K.G. é o segundo álbum da banda a explorar instrumentos microtonais, mas aqui são incluídos elementos completamente (ou quase) alheios ao rock, como a presença de cítara e batidas eletrônicas. Tudo isso, cria um álbum único, que escapa inclusive do escopo do primeiro álbum microtonal da banda. Temos então não apenas um rock microtonal, mas um rock muito único, que lembra trilhas sonoras de filmes de faroeste, heavy metal, cultura cigana, elementos árabes e noise pop japonês... a mim, esse álbum me fez retornar quase que imediatamente às trilhas sonoras de Cowboy Bebop, as quais também metiam uma mistura bem singular.

Liricalmente, o álbum é bem diferente do que a banda tem produzido nos últimos tempos. Ao invés de focar em um tema apenas, o álbum é bem diverso, mas em sua maior parte se torna mais filosófico, explorando temas subjetivos e alheios à realidade objetiva. Temos canções que exploram sentimentos de alienação, lembrança histórica, alcance do seu eu interior e a vida na estrada, por exemplo.

O King Gizzard já havia explorado diversos temas diferentes em álbuns anteriores e se mostrou uma banda de rock, apenas, por ter explorado diversos subgêneros em sua discografia impressionante, mas foi a partir de 2016 que começaram a chamar atenção por seus álbuns conceituais e muito bem feitos. Em Flying Microtonal Banana eles exploraram uma técnica e tecnologia de forma inédita no gênero e agora ampliaram ela, forçando ainda mais uma abertura dentro do cenário musical atual para que novas inovações sejam feitas. A evolução tem sido lenta, mas eficaz, pois a cada exploração microtonal essa nova forma de se fazer música fica melhor.

Muito diverso, muito louco e muito bom, esse é um resumo de K.G. o mais recente álbum de King Gizzard and the Lizard Wizard.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Dica cinematográfica: "No Gogó do Paulinho" (2020)


 Esta é uma das comédias mais inspiradas do cinema brasileiro.

No Gogó do Paulinho é um filme brasileiro lançado em 2020 e que hoje está perdido no catálogo da Amazon Prime para ser descoberto pelos amantes de uma boa comédia trash. Sim, trash... a história do filme é uma paródia de Forrest Gump, onde o Paulinho Gogó está no lugar do Forrest e começa a contar a sua história de vida para as pessoas sentadas no banco do seu lado. A partir daí somos apresentados a uma série de esquetes onde se explora suas mais clássicas piadas e algumas tiradas sacanas com cenas do próprio Forrest Gump, mas adaptando-as para o cenário brasileiro. 

É muito bem feito.

Mas continua sendo uma comédia trash, portanto não espere o "humor inteligente", discursos políticos ou ainda sacadas espertas, não! O filme não tem nada disso, muito pelo contrário, é basicamente uma extensão (ou um compilado) de todas as passagens de Paulinho Gogó, o personagem icônico de Maurício Manfrim, n'A Praça é Nossa. 

Tudo isso feito com uma qualidade técnica que impressiona em determinados momentos. O filme é bem feito, apesar de apresentar uma certa masterização no áudio que poderia melhorar ou ainda uns efeitos digitais que poderiam ter sido melhores. Em todo caso, a qualidade técnica do filme está boa.

A concatenação entre a história do Paulinho Gogó com as piadas também é muito bem feita. Podem não ser as piadas mais engraçadas ou impressionantes que você vai ver, mas são boas piadas, que tiram ao menos um sorrisinho do canto da boca. Outras geram aquela sensação de vergonha alheia tão típica do humor d'A Praça e que eu classifico com um bom humor trash. Tudo isso sem cair numa baixaria sem noção. O filme, apesar do Paulinho Gogó, é um filme família e isso também impressiona.

Enfim, No Gogó do Paulinho é um dos filmes de comédia brasileiros mais divertidos que vi e que se apresenta como uma ótima alternativa ao humor limpinho da Globo Produções que invadiu o cinema nos últimos anos.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Dica especial de Natal de 2020!

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Assisti esse belíssimo filme ano passado com minha namorado noites após o Natal e me surpreendi enormemente, pensando imediatamente que ele seria uma boa dica de natal para o blog e aqui está, a dica de natal de 2020!

Klaus é um filme de animação que conta a história de um jovem Jesper, um rico, porém nada ambicioso que vive às custas da boa relação da família como chefes do serviço de correios real. Cansada da parvoíce do filho, o patriarca da família o envia para trabalhar no local mais distante, difícil e gelado do reino. Lá o rapaz descobre, fora as dificuldades naturais, uma cidade dividida em duas, cada lado assumindo para si as brigas entre duas famílias antigas e tradicionais do local. No meio de tanta dificuldade, o jovem Jesper encontra na floresta fora da cidade a solução para seus problemas, o velho Klaus, um lenhador que fabrica brinquedos de madeira e para fazer o serviço de correspondência funcionar e assim conseguir escapar de seu penoso trabalho, Jesper espalha para as crianças que elas devem enviar cartas a Klaus e assim conseguirão brinquedos. É dessa forma que Jesper vê se aproximar dele o fim de suas tarefas ao mesmo tempo que provoca as duas briguentas famílias.

O filme vêm direto da Espanha e estreou na Netflix durante o final do ano passado, chamando a atenção de muita gente. Eu sempre duvido da opinião crítica e ainda mais da Netflix, portanto resolvi assisti-lo sem esperança alguma, mas a surpresa foi enorme.

Klaus é uma história singela, reinventando o conto de São Nicolau, a origem do Papai Noel, numa ambientação que beira o fantástico, pois em nenhum momento somos levados a crer que a história se passa no nosso mundo, embora tenha diversas semelhanças.

Sua animação é bem estilosa, seguindo um estilo 3D que deriva de antigas animações 2D americanas. É especialmente fácil de criar uma relação com o estilo de desenho criado para o desenho Atlantis, lançado em 2001, com seus personagens meio quadrados e baseados em diferentes formas geométricas, criando uma ampla diversidade de corpos e formas. Além disso temos ainda o uso de texturas que lembram giz de cera para a criação dos cenários, fazendo do filme uma verdadeira obra de arte, algo como uma ilustração para livro infantil animada.

Acima de tudo isso temos uma história que fala de cooperação e união. Todos os personagens do filme, até mesmo os vilões, encontram na União a saída para os seus problemas, sejam eles quais forem e é essa união que os mantém vivos e confiantes de que poderão realizar os seus objetivos. Ao final, é tocante a referência cristã quando Klaus alia o seu nome a um Jesper meio apagado que salienta o J de Jesus.

Belíssimo.

Divertido e tocando, o filme é uma ótima pedida para todos, mas especialmente para as crianças, pois não se trata apenas de um puro entretenimento, mas uma verdadeira obra de arte que invoca os nossos mais puros sentimentos para gerar uma verdadeira fruição, não apenas estética, mas também emocional.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Dica quadrinística: "Superman Smashes the Klan" (2020)


 Pense numa história clássica do Superman? Pensou? Provavelmente será uma história em que o lado mais humano do Super é explorado em contraste com a vida de diversos seres humanos comuns para nos mostrar nosso melhor lado. Esse é o poder real do Superman, algo que é encarnado de forma muito singela nessa quadrinho.

Superman Smashes the Klan é uma HQ publicada originalmente em três partes entre o final do ano passado e o início desse ano, mas compilado num encadernado esse ano e que eu só tive a oportunidade de ler agora no final do ano. Sua narrativa conta a histórias dos Lee, uma família de imigrantes chineses já na sua segunda geração e que se mudam para o subúrbio de Metrópolis após o sr. Lee conseguir um trabalho numa agência de medicamentos da cidade. As crianças enfrentam muitos empecilhos com a mudança, pois se encontram num lugar novo e tem que se habituar a mudança, mas o principal empecilho é um grupo recém-formado de seguidores da Ku Klux Klan, os quais decidem expulsar os Lee do subúrbio. O que os racistas da Klan não contavam é que o sobrinho de um dos líderes não só começa a formar uma amizade com o filho mais velho dos Lee após o seu fracassado sequestro, como também o garoto é fã do Superman. Ao mesmo tempo, Superman descobre através da filha mais nova dos Lee que deve aceitar sua natureza para poder se sentir mais em casa.

A história é baseada numa outra história, bem antiga do Superman, mas essa história não foi publicada, ela foi originalmente transmitida entre junho e julho de 1946 nas rádios de todos os EUA no programa Adventures of Superman. Talvez até por isso, esse quadrinho seja tão bom, pois não conta com uma estrutura presunçosa nem falas surrealistas para passar a sua mensagem. Ao contrário, sua mensagem é transmitida de forma natural, singela e muito bela.

Em nenhum momento as discussões entre os personagens soa como planfetagem política, algo muito comum nos dias de hoje nos quadrinhos. Pelo contrário, nós encontramos personagens que apenas não se conformam com atos de violência sendo praticados na sua frente por motivos tão estúpidos. Em nenhum momento eles nos dão uma palestra sobre aceitação ou igualdade racial, mas tudo isso nós conseguimos captar pela própria narrativa. Encontramos personagens brancos, negros, asiáticos e de todo tipo de descendência possível (os artistas fizeram um bom trabalho em exibir traços característicos de diferentes etnias) numa narrativa que reforça o quanto cada um tem a aprender com o outro e o quanto a harmonia é importante para uma sociedade sadia.

O quadrinho também é guiado de forma simples, mas que não é preguiçosa, tornando-se singelo. A narrativa não tem grande reviravoltas e nem tenta simular uma narrativa cinematográfica, ao contrário, é uma pura história em quadrinhos. Logo nas primeiras páginas somos apresentados a todos os personagens que irão figurar em suas páginas e a partir daí é só desenvolvimento de história. Tá certo que algumas reviravoltas no roteiro mais para o final são meio preguiçosas e pareceu que, talvez, a história teria sido melhor com algumas páginas a mais, mas nada disso tira o mérito de um desenvolvimento narrativo muito bom ao longo de 2 capítulos e meio.

Por fim, a simplicidade com que seus temas são tratadas reforçam a natureza humana dessa história. Conhecemos dramas reais e muito próximos de nós. Ainda que você não seja um imigrante num país hostil, você com certeza já se sentiu deslocado. E isso é algo que até mesmo (ou talvez, principalmente) o alienígena mais forte da Terra sente. Ao final, recebemos uma lição de aceitamento, compreensão e evolução de nós mesmos de maneiro muito natural e que emociona. Fiquei arrepiado diversas vezes durante a leitura.

Gostei tanto que nem liguei para o estilo de arte quase que exageradamente infantil Gurihiru. Uma breve pesquisa sobre a dupla de ilustradores japoneses me mostrou que não foi uma escolha proposital por causa da história original em que o quadrinho se baseava, mas é o estilo deles mesmo. Aliás, um estilo que tem sido cada vez mais adotado, meio inspirado no chamado CalArt. Nas primeiras páginas foi algo que me incomodou, mas a história guiada por Gene Luen Yang é magistral e sua narrativa singela acabou se encaixando como uma luva no estilo dos artistas.

Fazia tempo que não lia uma boa e verdadeira história do Superman. Boa pelos motivos já apresentados, mas verdadeiras porque ela cumpre aquele papel que toda história de ficção científica deveria cumprir: através da ficção mais distante da nossa realidade, nos fazer olhar para dentro de nós mesmos.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Dica cinematográfica: "Os Exterminadores do Além contra A Loira do Banheiro" (2018)

 Esse filme deveria ter sido a dica de Halloween, mas como no Halloween eu ainda não tinha assistido essa pérola, então vai ser hoje mesmo que vou falar dele. Mas antes, é necessário dizer que, sendo um filme produzido pelo Danilo Gentili, eu já tinha conhecimento dele, mas nunca tive muita curiosidade em ver, apesar de ter gostado bastante d'O Pior Aluno da Escola. No entanto, após aquela patacoada que ele protagonizou no Flow Podcast e um comentário de um espectador lido ao final dizendo que o filme fora premiado internacionalmente e por aqui ninguém nem "tchau", resolvi ir ver, afinal, se o brasileiro não gosta, é porque deve ser bom.

O filme conta a história de Jack, Caroline e Fred, que junto com o cinegrafista Túlio, mantém um canal no Youtube fingindo que enfrentam coisas do além, igualzinho o que o SpookyHouses faz hoje em dia. E após um acidente envolvendo 2 alunos na Escola Isaac Newton, os quais invocam a Loira do Banheiro e um deles ter um "ataque epiléptico", o diretor os contrata pra gravar um vídeo e acalmar os ânimos dos alunos. O que ninguém contava é que o vídeo não contaria com a mesma produção porca de sempre da trupe de charlatões, pois a Loira não só é real, como ela querendo brincar com a vida de todo mundo.

A partir daí, o filme se desenrola num terrir maravilhoso. Cabeças explodindo, sangue jorrando pra todo lado, canibalismo, queimada assassina, telefone do mal, sexo com possuídos, ritual satânico, feto homicida e até mesmo um cocô possuído, enfim... bom gosto não define.

O filme é realmente um desses trashs incríveis que te farão gargalhar com tanta besteira, até muito mais do que as piadas. Além dessas escabrosidades todas, temos ainda uma série de participações muito boas, como a do Ratinho e do Sikêra Jr. que carregam o filme com bom humor. Dentro do filme há também uma sacada muito boa que é o núcleo formado por 2 professores, escalados pelos exterminadores do além e o diretor para aparecem no vídeo. No entanto, eles nunca são chamados para aparecer no vídeo, por causa dos acontecimentos terríveis dentro da escola e ficam alheios a toda a situação, conversando entre si sobre como dever ser organizado um filme de terror, gerando diversas piadas metalinguísticas que servem como uma boa transição entre uma cena de terrir e outra.

A produção do filme, infelizmente, ainda conta com alguns problemas técnicos (ou talvez deveríamos dizer características técnicas?) que incomodam. Uma delas é a própria direção, há cenas, como a da queimada, em que não temos dimensão de tudo o que está acontecendo, fora isso temos cortes muito abruptos nas cenas de destruição e, além disso, o som também não parece que foi bem masterizado, pois os gritos e falas muitas vezes ficam abafados em meio a trilha sonora. Tudo isso, sempre, nas cenas de terror. Talvez seja inexperiência do diretor com o gênero, talvez seja um estilo que ele decidiu adotar, porque já vi coisas assim em outras obras de terror. O que importa é que passa uma sensação de amadorismo.

No entanto, há o que se louvar nos aspectos técnicos também. A trilha sonora é excelente, a ambientação também, fizeram um filme de terror brasileiro, ou seja, nas cenas de dia tudo é muito claro, dando aquela sensação de calor que o nosso país exige. Como a maior parte do filme se passa a noite, talvez isso nem seja notado, mas é algo que chama a atenção logo no começo. Por fim, toda a construção do cenário ficou muito bem feita, cheio de pequenos easter eggs, que só os brasileiros irão captar. Tudo isso segue muito bem os parâmetros que nosso mestre, Mojica Marins estabeleceu décadas atrás e o grande recebe uma bela homenagem na obra.

E ainda assim "Os Exterminadores do Além contra A Loira do Banheiro" foi um filme muito premiado lá fora, o que me dá muito orgulho. Nossa produção nacional de filmes tem espírito criativo pra dominar o mundo, mas infelizmente não conta com todo o apoio necessário das empresas, instituições e até mesmo público e crítica nacional. Em todo caso, esse filme dá um fôlego novo para a cinematografia brasileira e, com certeza, se tornará um desses clássicos trash que iremos assistir em nossos computadores escondido e conversar com os amigos no bar, rindo muito.


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Dica audiófila: Phillips Taue100bk


Fones de ouvido intrauriculares são bem frágeis, na minha opinião. E por esse motivo eu sempre mantenho um fone na reserva, guardado e lacrado, enquanto uso um. Felizmente nos últimos tempos ganhei vários fones, mas infelizmente eram todos porcarias. Quando meu antigo Phillips SHE 2000 quebrou, afinal, nada é eterno, descobri que nenhum dos 3 fones que tinha na reserva prestavam e acabei me enfurecendo, quebrei todos e passei alguns dias sem fones, até que encontrei o filho do SHE 2000.

O Phillip Taue100bk faz parte de uma nova linha de fones de ouvido de baixo custo desenvolvido pela Phillips. Creio que, sim, eles são os herdeiros dos excelentes SHE 2000 que massagearam minhas orelhas por tanto tempo com sua ótima qualidade de som. Mais detalhes sobre o SHE 2000 você pode encontrar no post já linkado. Esse post será inteiramente dedicado ao seu filho bastardo.

Bastardo, primeiramente, porque ele não herda o nome de seu pai. O Taue100bk tem um novo nome, para uma nova roupagem. Ao contrário do SHE 2000 ele não segue o design clássico de fones intrauriculares, com uma saída de som chapada e redonda, que encaixa como uma luva na orelha. Infelizmente, o Taue100bk adota um design que não é completamente diferente, mas é diferente o suficiente para não se encaixar perfeitamente na orelha. Ao contrário, a saída de som do Taue100bk é "pontuda", oque direciona o som para o interior da sua orelha, aumentando o isolamento acústico, que nunca é ideal nos fones intrauriculares.

Eu entendo a intenção, é isolar o som, no entanto, isso é uma meta inalcançavel e, de certa forma, inútil em fones intrauriculares e o esforça apenas serve pra incomodar o ouvido. Seu design alarga a entrada do ouvido e, com o passar das horas, começa a incomodar. Não chega a machucar, mas gera um incômodo naqueles que estão acostumados a passar horas com fones de ouvido, como eu.

O ganho na ergonomia para direcionar o som não se encontra com os ganhos sonoros, de fato. O Taue100bk ainda contém um som cristalino e limpo que todo Phillips tem, mas ele tende a reforçar os graves, o que tira a definição dos médios e agudos. Esse desequilíbrio incomoda os ouvidos mais acostumados com sons mais equilibrados, o que é o meu caso. Também atrapalha gêneros mais naturais, como o jazz ou o rock.

Por fim, o Phillip Taue100bk não é tão barato quanto o SHE2000, o que já era de se esperar, dado a situação econômica do país.

Com isso, o Taue100bk não chega a ser um investimento tão bom quanto outros fones da Phillips, mas visto que o mercado hoje em dia dispõem apenas daqueles fones intrauriculares com borrachinha que estupra o seu ouvido, ele acaba sendo uma boa alternativa, talvez a única viável na relação custo-benefício para os audiófilos de plantão.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Dica literária: "Eneida"


 Tomei vergonha na cara e finalmente peguei esse tijolão que estava na minha estante há muito tempo para desembalar, ler e Deus me perdoe, mas esse é o poema épico que eu mais gostei, gostei até mais do que A Divina Comédia.

Eneida é o clássico romano que conta a aventura de Eneias, guerreiro troiano, após a Guerra de Troia e sua queda em direção à Itália, onde ele acabará por fundar Roma. Não ele especificamente, mas seus descendentes, os quais por sua vez são descendentes de troianos, por consequência.

O livro foi escrito por Virgílio e, pra quem não se lembra, é o poeta que guiou Dante pelo Inferno e o Purgatório n'A Divina Comédia e a obra é, de fato, fenomenal. Acompanhamos de forma clara e concisa a trajetória de Eneias que se arrasta por anos, indo de Troia até a Itália, passando pelo Norte da África, ilhas no Mediterrâneo e fundando cidades enquanto isso. 

Ao contrário de seus irmãos de gênero poético, Eneias não é apresentado apenas como um guerreiro ou um valoroso pai de família, mas como um verdadeiro religioso e, como tal, é o responsável por fundar a civilização. Eneias tem uma fé cega em sua missão dada pelas divindades de fundar uma cidade e continuar o reino de Troia e esse é o motor de toda a sua vida pós-guerra de Troia, deixando, inclusive, uma vida feliz que poderia ter vivendo no norte da África.

E é essa sua fé que funciona como o motor para a narrativa, pois não apenas é através dela que é realizada a sua trajetória, como é também no embate divino que ela se concretiza. Isso se dá não apenas de maneira negativa, com os desafios divinos impostos ao troiano, como também de maneira positiva, através das inúmeras bençãos que ele vai recebendo.

É interessante que isso poderia causar no leitor incauto a sensação de que Eneias é um verdadeiro bundão, mas não é isso o que acontece. Eneias é um homem belo, que impressiona pela beleza e também pela sua força de vontade que guia os troianos até o novo império. Mas é na segunda metade do livro que conhecemos o Eneias guerreiro que aparece na Ilíada, liderando um exército contra a força das cidades italianas e enfim começa a verdadeira chacina.

E ainda assim, Virgílio nos apresenta um Eneias justo. Ele mata seus adversários, mas nunca é de maneira gratuita, pelo contrário, ele o faz com grande justiça e essa também é uma de suas principais características. E também não poderia ser diferente, pois para a mente pagã a figura religiosa é também a figura jurídica. Não há diferença entre religião e política e por isso Eneias funda suas cidades com sacrifícios animais e também chora em êxtase ao encontrar a vontade divina de seus deuses.

É um livro extremamente profundo, como todos os épicos, creio eu, mas a edição em português da editora 34 a qual tive acesso nos apresenta sua profundidade de maneira ainda mais impressionante, pois a tradução de Carlos Alberto Nunes tenta manter o verso hexâmetro no qual o épico foi escrito. E o faz de maneira magistral. Obviamente que eu, um mero leitor brasileiro, não saberia dizer qual a grandiosidade desse feito de tradução sublime se não fosse pela introdução de João Angelo de Oliva Neto, a qual eu li antes de começar a me aventurar pela Eneida e só aumentou ainda mais a minha atenção para essa obra fenomenal.

A referida edição ainda é bilingue, contando com os versos originais em latim, o que acrescenta uma camada ainda maior para os que gostam de se aventurar pela nossa tão bela língua de origem.


terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Dica cinematográfica: "Tenet" (2020)


 Tenet é o mais recente trabalho de Cristopher Nolan, o diretor por trás de icônicos filmes como Cavaleiro das Trevas e A Origem. Sua sobras são alvos de grande apreciamento crítico desde que lançou sua primeira obra há exatos 20 anos atrás, Memento, mas tem e tornado alvo cada vez maior de críticas vorazes não apenas pelo seu conteúdo visto como polêmico nos dias atuais, mas também pela forma ambiociosa com a qual seus roteiros são elaborados. Em todo caso, me proponho aqui a discutir esse filme e mostrar que ele é um novo Memento.

Em Tenet encontramos um membro de uma força especial dos EUA que, após falhar em uma missão internacional na qual ele entra em contato com uma tecnologia que nunca tinha visto, é escalado para fazer parte de um time que deve deter a nova Guerra Fria, utilizando uma tecnologia que reverte o tempo ao seu redor.

Tão simples quanto é essa sinopse, é o começo do filme. Em pouco tempo somos apresentados ao herói principal, sua condição que o levou a ser parte de um time obscuro de agentes e a premissa principal por trás de todo o filme; a tecnologia que reverte o tempo. O filme é rápido, não respira, uma característica dos filmes do Nolan desde o terceiro filme do Batman e que é alvo das duras críticas que ele sofre, mas é algo interessante.

Em Tenet esse recurso não é maçante, porque o filme não se perde em longas elocubrações dos elementos de ficção científica que ele explora. Ao invés de entendermos a tecnologia, somos apresentados a solução por trás dela como mero "instinto" e as condições de sua criação, sua elaboração e a forma como foram obtidas também não são complicadas, mas também não são ruins. Muito pelo contrário, a simplicidade mantém a coesão do roteiro, que não se esforça em explicar muito, mas também não exige essa explicação.

Conseguimos acompanhar a jornada do Protagonista de maneira objetiva, clara nem tanto, mas direta ao ponto. O resultado é um baita thriller de investigação, paranoia e ação, uma espécie de James Bond bebendo Pynchon no café-da-manhã e indo dar uma caminhada com a série Bourne. É bom pra caramba e entretem como poucos filmes do Nolan conseguem fazer. Não me entenda mal, eu gosto dos filmes dele, mas é difícil reassisti-los. Esse não.

Mas então ele é claro? Não. E nem todo filme precisa ser pra ser um baita filme de ação. Ele é direto em sua elaboração, porém ainda é um filme com viagem no tempo e muito coeso, mas para entendermos a coesão temos que voltar diversos momentos algumas vezes. Eu me peguei voltando o filme algumas vezes em momentos-chave pra poder entender algumas passagens, especialmente quando as viagens no tempo começam a ficar mais frequentar, a partir da terceiro quarto do filme.

Por isso eu imagino que esse filme não agradará gregos e troianos (leia-se fãs e haters). Ele é direto demais pra agradar a base de fãs cabeçudos do Nolan, que gostam de um negócio complicado pra ficarem montando teorias, elocubrações e afins. Igualmente o filme continua sendo obscuro e rápido demais para os haters do Nolan, que ainda encontrarão um filme que não respira e muitas explicações que ainda exigem voltar o filme algumas vezes. Algo que os haters odeiam, mas eu gosto. Gosto de ser desafiado pelos filmes que assisto.

Por esse e outros motivos, é uma obra que destaca dentro da filmografia do Nolan. Não é muito como as outras coisas que ele já fez por aí, bem pelo contrário, a trilha sonora, apesar de ainda ser bem minimalista e ter um jogada bem inteligente, é barulhenta, tão impositiva que sentimos o seu peso na tela. As comparações com A Origem devem borbulhar em todo canto, mas Tenet é irmão mesmo de Memento.

Eu consigo ver muitos jovens, adolescentes mesmo, assistindo Tenet e gostando demais dele, indo, a partir daí, procurar o resto da filmografia do Nolan pra assistir. Tenet é um filme do Nolan que fala com a nova geração.

Em todo caso, é um baita filme, que merece ser assistido.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Os melhores perdedores das eleições de 2020

Um fenômeno interessante está ocorrendo em nossa sociedade e é apenas mais um sinal da evolução do Brasil em direção a uma maior consciência política: o choro de perdedores que concorreram a vereador ou prefeito neste ano de 2020!


O brasileiro vivia acostumado a ser enganado por políticos, vereadores passavam meses visitando as pessoas em casa, ofereciam carreatas, pagavam pequenos favores e sempre pedindo votos. Quando ganhavam as eleições recuperavam todo o dinheiro gasto com um mês de "trabalho" e depois passavam o resto do mandato engordando seus bolsos às custas do dinheiro roubado através dos impostos das pessoas que carregam o Brasil nas costas: os pequenos empresários e trabalhadores de pequenas empresas.


Esse ano os vereadores fizeram as mesmas coisas de sempre, mas o resultado foi diferente, muitos não foram eleitos e o povo brasileiro deu a sua tão desejada volta por cima. Viveu nas costas de vereadores durante todo o período de campanha pra malemá sair de casa no domingo e o resultado nós podemos encontrar logo abaixo.


Candidato revoltado porque emprestou dinheiro pra todo mundo, mas esse ano não! Esse ano o brasileiro não vendeu o seu voto por churrasco, gás de cozinha, compra da semana no mercado... bem feito!


https://youtu.be/CX1mEpOHjNk


E se ficar bravo vai ser pior, porque o cara vai ser zoado!


https://youtu.be/PMIXfmSoXgs


É melhor falar que ficou decepcionado, embora a decepção de política só sirva pra alegrar o povo brasileiro!


https://youtu.be/uLlK9jXOL9A


Agora tem gente que vai na onda do Trump, com a diferença de que não tem moral, nem razão pra falar alguma coisa. Recebeu 2 votos e eu já acho que foi muito!


https://youtu.be/OZvZj4niDHM




Enquanto que a Val diz que vai atrás dos votos no Inferno, se for necessário, outras ficam apenas com raiva, alegrando ainda mais os seus não-eleitores, que, com certeza, acham bem feito!!!






https://youtu.be/HoyqCCV6oZ0




Jesus já ensinava: a César o que é de César. Pastor que se envolve com política tinha que ter vergonha.






https://youtu.be/-HI6CXAZH0A




E teve até candidato descobrindo que a democracia não vale nada! Descobriu tarde, vossa excelência! Pode rasgar o seu título a vontade, o problema é todo seu.






https://youtu.be/1vazWXZf-5s




Mas a alegria é toda nossa!





E claro, não podíamos deixar de lado o grande depressivo: Robertinho do Gelo, que contou com muito apoio da molecada, pena que elas não podem voltar.






https://youtu.be/kLOgytPTy-w




Tenta de novo daqui 15 anos, Robertinho.





Pra finalizar, um bônus, o burraldo que não sabia o próprio número!






https://youtu.be/W1JUB5PTePM




AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!





Que essas cenas lamentáveis se repitam até o ponto em que o número de candidatos seja ínfimo, até que mais ninguém queira entrar em política pra poder acumular riqueza e que o Brasil sobreviva a esse mal terrível que é a democracia.










sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Dica especial do dia da consciência negra 2020!

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Mais um dia da consciência negra e mais um post louvando os grandes nomes das artes negras e dessa vez, apareço com um material que estava devendo aqui no blog, mais uma obra de ação da casa dos melhores dos melhores filmes, wakaliwood: Bad Black!

Neste filme recheado de ação, temos uma história de amor, vingança e muitas lutas, começando com um roubo a banco causado por Swazz, o Schwarzenegger ugandense, em busca de dinheiro para salvar sua esposa doente. Ele recruta uma criança como parceiro e realiza uma fuga explosiva, matando dúzias de polícias e cometendo suicídio em cima de um carro, atirando nele até explodir.

No entanto, seu parceiro foge e a partir daí acompanhamos a vida das crianças sob as mãos de um ex-comando que faz as crianças pedirem dinheiro pra ele no semáforo. Muitos anos se passam, até que uma delas busca vingança com a ajuda de um médico estrangeiro.

Como todos os filmes de wakaliwood, este não segue padrões narrativos ou estéticos. Sendo a wakaliwood um dos mais pobres centros de entretenimento do mundo, é surpreendente que consigam realizar filmes com orçamentos tão restritos. Ainda assim, há diversos efeitos, pobres, mas eficazes, criando cenas de ação, lutas bem coreografadas e uma direção dinâmica. Além disso, neste filme diferentes histórias se misturam, levemente conectadas, mas sempre culminando em cenas de ação e leves dramas.

Esse é principal diferencial de Bad Black. É o primeiro filme de Wakaliwood em que vemos desenvolvimentos dramáticos guiando a narrativa. Seja na forma de relações amorosas desastrosas, seja na busca por vingança. Isso acrescenta uma profundidade inexistente nas outras obras, indicando o desenvolvimento que esses filmes têm sofrido ao longo dos anos. É uma trasheira, mas é uma trasheira em desenvolvimento com um enorme potencial.

A criatividade corre solta, assim como o humor, uma marca registrada de Wakaliwood.  Temos a narração carismática de Nabwana I.G.G., simplificando para nós o que está acontecendo na tela e nos lembrando de que se trata de um fillme, o que estamos vendo. Um filme muito original e divertido.

A obra é um trash absoluto, mas como todo trash, tem a sua cultura e deve ser respeitado. Em wakaliwood filmes são feitos com o preço de um celular e contam com um potencial criativo que poucos diretores conseguem obter hoje em dia.

Infelizmente, não temos muitas notícias de Wakaliwood, principalmente agora com essa crise do vírus chinês, mas devemos ter esperança de que veremos ainda muitas obras, ganhando cada vez mais destaque e finalmente produzindo obras com um orçamento digno de sua criatividade.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Dica cinematográfica: "Lourdes" (2019)

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Mais um filme vindo da Lumine, que já foi indicada aqui no blog anteriormente e com uma bela surpresa.

Lourdes é um documentário que acompanha a peregrinação de algumas pessoas para o Santuário de Nossa Senhora de Lourdes, um místico lugar na cidade de mesmo nome onde Santa Bernadete Soubirous viu algumas aparições da Virgem Maria no século 19.

Dirigido de forma magistral, esse documentário é um deleite para os olhos, porém também um choque para a alma. É uma dessas raras obras de arte em que sentimos a intervenção divina como fonte de inspiração para os artistas responsáveis pela obra. E nítido que a inspiração foi enorme.

Porém temos que louvar os aspectos técnicos da obra. As cenas são impecáveis, a direção de áudio, idem. É um filme que alia de maneira incrível os aspectos belos e sublimes da arte. Por óbvio, as histórias dos peregrinos são tocantes, mas elas nos são apresentadas de maneira muito sensível, leve e singela. Em outros momentos, principalmente quando somos apresentados aos elementos mais "rígidos" da fé, como, por exemplo, a cena da eucaristia, onde diversos padres são filmados com uma canção minimalista, mas crescente, criando um ambiente imponente, poderoso, temeroso, mais ou menos como Dante conseguiu fazer com o Paraíso.

É impossível não se emocionar. Me peguei chorando em diversos momentos, tocado pelas imagens, mas principalmente sentindo o sofrimento de todos os personagens que nos são apresentados. Histórias reais, muito profundas e que nos lembram da dimensão da vida humana.

Lourdes é uma obra fenomenal, muito bem feita, dirigida e guiada de forma magistral. É também um documentário necessário para os tempos negros em que a Cristandade vive.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Qual o problema com A Escolinha?

Escolinha do Professor Raimundo

Ontem passei o dia com alguns parentes e tive o desprazer de ver a televisão de casa ligada na Globo, o que resultado em ver A Escolinha do Professor Raimundo, o humorístico da rede Globo que busca fazer um remake do clássico de Chico Anysio, um dos maiores humoristas desse país. Além da série tentar forçar uma consciência sociopolítica de maneira baixa, perda de oportunidades para fazer o humor pastelão que marcou o original e aliar o roteiro ao contexto terrível de uma pandemia, tentando normalizar a situação desumana em que somos forçados a viver, a série carrega um outro grande problema, o qual irei explorar nesse post e que é o seu principal problema: a imitação de antigos personagens.

Todos os personagens da série são imitações de humoristas atuais dos personagens de humoristas antigos, alguns, inclusive sendo feitos pelos filhos, como é o caso de Bruno Mazzeo e Lúcio Mauro Filho (algo até bem legal como conceito, mas que falha na execução). Isso acaba truncando os humoristas, pois eles não têm liberdade de fazer o que mais gostariam de fazer, que é contar as suas próprias piadas.

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E há no programa bons humoristas, mas eles têm que estudar e imitar humoristas do passado, fazendo sempre os mesmos bordões, as mesmas piadas e os mesmos trejeitos que já nos foram apresentados há mais de 20 anos atrás.

Além da falta de inovação, há a falta de empatia com o público, pois alguns personagens do programa original eram tão característicos de seus humoristas que é difícil separar o personagem do comediante como é o caso do Nerson da Capitinga, Joselino Barbacena e Seu Peru, para citar apenas alguns.

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Por fim, apesar de filhos seguirem os passos dos pais, eles não são a mesma pessoa. Já disse que a intenção de colocar os filhos para imitarem o papel dos pais é uma boa intenção da série, mas não funciona, pois cada um deles tem seus próprios trejeitos, estilo e até mesmo tempo. Chico Anysio é um showman superior ao Bruno Mazzeo, ele guiava a trupe de humoristas de um jeito que o atual não consegue fazer e Lúcio Mauro Filho será, para sempre, o Tuco, assim como seu pai foi, para sempre, Aldemar Vigário. Eu não veria problema nessa caracterização eterna que eles sofreram e imagino que seja até motivo de muito orgulho poder fazer parte da cultura brasileira dessa forma.

A nova Escolinha tem muitos problemas, mas este é o principal. É, de fato, difícil fazer um programa no estilo do humorístico com personagens novos, mas o programa já vai para a sexta temporada, o fetiche nostálgico já foi nutrido e eu acredito que seria melhor, para os telespectadores e os humoristas, se a rede Globo desse mais liberdade aos seus integrantes poder incluir novos personagens, fazer suas piadas e deixar o passado brilhar sozinho.

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Dica cinematográfica: "One Child Nation" (2019)

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Já que a China se tornou a líder mundial esse ano, porque não falarmos sobre ela aqui no blog? Afinal, nos próximos anos a influência chinesa se tornará cada vez maior e é bom nos prepararmos para o que vem aí.


Jialing Zhang é uma chinesa que emigrou para os EUA a fim de seguir uma carreira dentro da indústria cinematográfica da terra de Trump e lá ela teve seu primeiro filho. Ao visitar seus pais para lhes apresentar o neto, Zhang começou a lembrar da época em que era criança, nos anos 80, época em que a China implantou sua política de 1 filho. Ao revisitar as memórias, a diretora começa a descobrir fatos que nunca tinha se atentado e decide elaborar esse documentário sobre o tema.


A obra começa bem intimista, nos mostrando a vida de Zhang quando criança num vilarejo do interior do país, nos apresentando a forma como a política foi apresentada para os seus conterrâneos, através de uma ampla campanha propagandística que contava não apenas com os característicos outdoores e panfletos, mas também com músicas, programas na TV, no rádio e em anos recentes até na internet (os quais pertencem todos ao governo chinês). Ainda com todo esse bombardeamento de informação, a vida seguiu mais ou menos normalmente até a chegada do segundo filho de Zhang e aí as coisas começam a ficar sombrias.


A família da diretora começou a sofrer um certo ostracismo, eram vistos com maus olhos, até mesmo as outras crianças eram incentivadas a reagir com estranhamento com aquela notícia. E aí surge a pergunta: como a mentalidade de um país, que até então encarava como algo comum os casais terem vários filhos, pode mudar tão rápido e de maneira tão drástica?


A resposta é simples, mas é de difícil compreensão. O governo chinês é tão massivo, o alcance das mãos do Estado é tão imenso que eles conseguem controlar a forma como as pessoas pensam. Afinal, desde a revolução chinesa, que levou um monte de submissos a Mao a liderarem uma revolta armada e sangrenta contra o tradicional governo do país, a China se tornou uma nação de pessoas submissas ao poder de uma casta que tem garantias jurídicas de governar sobre todos. Em suma, a propaganda e o controle estatal fizeram essa mudança.


Mas isso é muito abstrato e o problema é ainda mais grave. Quando oferecem a mãe da diretora fazer um procedimento médico de infertilidade a diretora passa a investigar até onde essa influência do governo. Famílias inteiras eram ordenadas a se castrarem para que não tivessem mais filhos, afinal só há uma forma de uma lei ser imposta, é através da força e se a lei diz que você só pode ter um filho que outra forma de fazê-la valer? Castrando os casais que já tem um filho ou forçando mães a abortarem seus bebês nasciturros.


No entanto, num país com mais de 1 bilhão de pessoas, não há como realizar isso. O filme mais uma vez nos mostra a ineficiência inerte ao Estado, ainda que essa não seja a sua intenção. É impossível do Estado, mesmo o Estado mais autoritário, como o chinês, de controlar toda a sua população e o que vemos a seguir é algo ainda mais aterrador: num país com mais de 1 bilhão de pessoas, com um Estado esmagador e uma população sem virtudes, é óbvio que haverá a criação de um mercado negro.


Foi a partir dos anos 80 que programas de adoção internacional se voltaram para a China, afinal, casais não podiam ter mais que 1 filho, então eles eram deixados para adoção. Nada de errado, é até uma atitude muito bonita, mas o problema que o documentário nos mostra é que, muitas vezes, isso era feito sem a consessão dos pais. Bebês sumiam das casas, eram levados embora para nunca mais serem vistos por "fiscais", os quais oficialmente nunca foram ligados ao governo e eram vendidos a orfanatos que então negociavam com agências de adoção internacional.


O resultado é uma bagunça e um tratamento desumano de revoltar. Mães viam seus filhos irem embora para nunca mais voltar, "fiscais" recebiam dinheiro por levar bebês até orfanatos, às vezes cumprindo até uma certa cota semanal de bebês, gêmeos eram separados e enviados para famílias diferentes ao redor do mundo.


É uma crueldade sem tamanho, mas é apenas no final que chegamos ao momento mais desolador do filme. Quando a diretora do documentário já tinha descoberto tudo isso e decidiu apresentar os fatos para diversas pessoas da sua vila, pessoas que inclusive perderam seus filhos, encontra uma reação branda, um dar de ombros resignado e aceptivo para com as barbáries cometidas contra eles mesmos. E aí vem a observação que deveria ter encerrado a obra: "quando toda decisão é tomada por outra pessoa que não você a vida toda, fica difícil se sentir responsável pelo que acontece".


E essa é a realidade do povo chinês hoje. Não importa quantos crimes contra a humanidade a China cometa, seu povo não se sente responsável por isso, porque, de fato, eles não o são. São apenas peças dentro de um joguinho onde apenas Xi Jinping e seus parceiros de casta podem participar. Ninguém na China anda com as próprias pernas, levanta a cabeça sem que o governo diga para levantar, fala ou respira sem que lhe dêem permissão. É um povo submisso e vítima de qualquer tipo de barbaridade. 


Nem a mente mais maléfica poderia pensar numa realidade tão distópica, mas o mundo tratou de realizar isso para nós e nós devemos aprender e caminhar sozinhos.


A realidade brasileira não está muito distante. Infelizmente, a mentalidade popular é também submissa, abandonada ao relento, acreditamos que as pessoas ao nosso redor não conseguem caminhar sozinhos e precisam de um apoio, mas um apoio estatal é um apoio que não vai embora, é um apoio que só cresce e isso aos poucos vai nos desumanizando.


É preciso reagir.





terça-feira, 22 de setembro de 2020

Dica cinematográfica: "O Beijo no Asfalto" (1980)

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Vi esse filme no instagram do Pedro Sette-Câmara e fiquei curioso na obra, baseada numa peça de Nelson Rodrigues e supostamente girardiana. De Girard eu entendo e decidi ver qual é a desse filme.

O Beijo no Asfalto conta a história de Arandir, um rapaz recém-casado, trabalhador honesto e boa pinta que vê um acidente de trânsito, onde um rapaz é morto. Apenas mais um dia na cidade grande, não fosse pelo fato de que Arandir se aproximou do rapaz moribundo e o beija na boca. Nada mais estranho, não fosse pelo fato de que a cena foi presenciada pelo sogro de Arandir, que correu para a casa da filha a fim de saber se ela não notara nada estranho com o marido recentemente.

Paralelo a esse rio de estranhezas, temos um chefe de polícia que havia se envolvido num escândalo e estava correndo o risco de ver sua carreira escorrer pelo ralo e um repórter que, sabendo do acidente, decide unir forças ao policial para fazer fama solucionando um caso bizarro.

Pelo fato de ser uma obra rodrigueana e ter sido feito nos anos 80, o filme não tem nenhuma das discussões chatas que hoje geraria com relação a relacionamento homossexuais e violência policial. Ao contrário, a história nos é apresentada da maneira mais crua possível e não poderia ser melhor.

O filme é cru, frio e nada polemista, apesar do tema que trata. Tudo é apresentado com naturalidade e nós, espectadores do século 21, acostumados a ter as opiniões regurgitadas para nós a fim de uma digestão rápida, ficamos estarrecidos.

Aos poucos, a superfície normalizada a qual somos apresentados, vai se diluindo e seu momento mais marcante é quando pai e filha caçula discutem sobre uma suposta relação incestuosa que existia entre o pai e a filha mais velha. A discussão é tratada com zombaria, mas os espectadores ficam com uma pulga atrás da orelha, exceto os girardianos, que vêem isso com um sorriso no rosto, mas sabem que nas boas obras nada é entregue de bandeja assim.

O buraco é mais profundo e a cena final, de conflito, contrastes e revelações é um escândalo, mas é excelente e, neste filme, é lindamente filmada, de forma a nos apresentar um retorno ao início da obra. Deu a lógica, mas é a lógica girardiana.

Vale muito a pena conferir esse filme, que é um diamante oculto, na minha opinião. Mais uma dessas obras antigas em que se faziam filmes corajosos que nada deixavam a desejar ao cinema exterior e que, infelizmente, se perdeu no meio de trágicos investimentos públicos a comédias pastelões.

Ainda bem que existe a internet pra nos presentear com essas obras.