quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Dica musical: "K.G." do King Gizzard and the Lizard Wizard


Que o King Gizzard and the Lizard Wizard é uma das melhores bandas de rock da atualidade isso ninguém nega. Agora que eles podem ser inovadores no cenário musical isso é uma questão em aberto, mas K.G. vem responder a essa questão.

Em 2017, o King Gizzard iniciou um projeto de lançar 5 álbuns naquele ano e eles cumpriram com o objetivo, lançando 5 álbuns completos, mas foi o primeiro o que mais chamou a atenção. Flying Microtonal Banana apresentava a banda explorando sons microtonais. Mais detalhes sobre eles você pode ver aqui, porque o que interessa nessa dica é que eles voltaram a explorar esses sons de maneira muito corajosa.

K.G. é o segundo álbum da banda a explorar instrumentos microtonais, mas aqui são incluídos elementos completamente (ou quase) alheios ao rock, como a presença de cítara e batidas eletrônicas. Tudo isso, cria um álbum único, que escapa inclusive do escopo do primeiro álbum microtonal da banda. Temos então não apenas um rock microtonal, mas um rock muito único, que lembra trilhas sonoras de filmes de faroeste, heavy metal, cultura cigana, elementos árabes e noise pop japonês... a mim, esse álbum me fez retornar quase que imediatamente às trilhas sonoras de Cowboy Bebop, as quais também metiam uma mistura bem singular.

Liricalmente, o álbum é bem diferente do que a banda tem produzido nos últimos tempos. Ao invés de focar em um tema apenas, o álbum é bem diverso, mas em sua maior parte se torna mais filosófico, explorando temas subjetivos e alheios à realidade objetiva. Temos canções que exploram sentimentos de alienação, lembrança histórica, alcance do seu eu interior e a vida na estrada, por exemplo.

O King Gizzard já havia explorado diversos temas diferentes em álbuns anteriores e se mostrou uma banda de rock, apenas, por ter explorado diversos subgêneros em sua discografia impressionante, mas foi a partir de 2016 que começaram a chamar atenção por seus álbuns conceituais e muito bem feitos. Em Flying Microtonal Banana eles exploraram uma técnica e tecnologia de forma inédita no gênero e agora ampliaram ela, forçando ainda mais uma abertura dentro do cenário musical atual para que novas inovações sejam feitas. A evolução tem sido lenta, mas eficaz, pois a cada exploração microtonal essa nova forma de se fazer música fica melhor.

Muito diverso, muito louco e muito bom, esse é um resumo de K.G. o mais recente álbum de King Gizzard and the Lizard Wizard.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Dica cinematográfica: "No Gogó do Paulinho" (2020)


 Esta é uma das comédias mais inspiradas do cinema brasileiro.

No Gogó do Paulinho é um filme brasileiro lançado em 2020 e que hoje está perdido no catálogo da Amazon Prime para ser descoberto pelos amantes de uma boa comédia trash. Sim, trash... a história do filme é uma paródia de Forrest Gump, onde o Paulinho Gogó está no lugar do Forrest e começa a contar a sua história de vida para as pessoas sentadas no banco do seu lado. A partir daí somos apresentados a uma série de esquetes onde se explora suas mais clássicas piadas e algumas tiradas sacanas com cenas do próprio Forrest Gump, mas adaptando-as para o cenário brasileiro. 

É muito bem feito.

Mas continua sendo uma comédia trash, portanto não espere o "humor inteligente", discursos políticos ou ainda sacadas espertas, não! O filme não tem nada disso, muito pelo contrário, é basicamente uma extensão (ou um compilado) de todas as passagens de Paulinho Gogó, o personagem icônico de Maurício Manfrim, n'A Praça é Nossa. 

Tudo isso feito com uma qualidade técnica que impressiona em determinados momentos. O filme é bem feito, apesar de apresentar uma certa masterização no áudio que poderia melhorar ou ainda uns efeitos digitais que poderiam ter sido melhores. Em todo caso, a qualidade técnica do filme está boa.

A concatenação entre a história do Paulinho Gogó com as piadas também é muito bem feita. Podem não ser as piadas mais engraçadas ou impressionantes que você vai ver, mas são boas piadas, que tiram ao menos um sorrisinho do canto da boca. Outras geram aquela sensação de vergonha alheia tão típica do humor d'A Praça e que eu classifico com um bom humor trash. Tudo isso sem cair numa baixaria sem noção. O filme, apesar do Paulinho Gogó, é um filme família e isso também impressiona.

Enfim, No Gogó do Paulinho é um dos filmes de comédia brasileiros mais divertidos que vi e que se apresenta como uma ótima alternativa ao humor limpinho da Globo Produções que invadiu o cinema nos últimos anos.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Dica especial de Natal de 2020!

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Assisti esse belíssimo filme ano passado com minha namorado noites após o Natal e me surpreendi enormemente, pensando imediatamente que ele seria uma boa dica de natal para o blog e aqui está, a dica de natal de 2020!

Klaus é um filme de animação que conta a história de um jovem Jesper, um rico, porém nada ambicioso que vive às custas da boa relação da família como chefes do serviço de correios real. Cansada da parvoíce do filho, o patriarca da família o envia para trabalhar no local mais distante, difícil e gelado do reino. Lá o rapaz descobre, fora as dificuldades naturais, uma cidade dividida em duas, cada lado assumindo para si as brigas entre duas famílias antigas e tradicionais do local. No meio de tanta dificuldade, o jovem Jesper encontra na floresta fora da cidade a solução para seus problemas, o velho Klaus, um lenhador que fabrica brinquedos de madeira e para fazer o serviço de correspondência funcionar e assim conseguir escapar de seu penoso trabalho, Jesper espalha para as crianças que elas devem enviar cartas a Klaus e assim conseguirão brinquedos. É dessa forma que Jesper vê se aproximar dele o fim de suas tarefas ao mesmo tempo que provoca as duas briguentas famílias.

O filme vêm direto da Espanha e estreou na Netflix durante o final do ano passado, chamando a atenção de muita gente. Eu sempre duvido da opinião crítica e ainda mais da Netflix, portanto resolvi assisti-lo sem esperança alguma, mas a surpresa foi enorme.

Klaus é uma história singela, reinventando o conto de São Nicolau, a origem do Papai Noel, numa ambientação que beira o fantástico, pois em nenhum momento somos levados a crer que a história se passa no nosso mundo, embora tenha diversas semelhanças.

Sua animação é bem estilosa, seguindo um estilo 3D que deriva de antigas animações 2D americanas. É especialmente fácil de criar uma relação com o estilo de desenho criado para o desenho Atlantis, lançado em 2001, com seus personagens meio quadrados e baseados em diferentes formas geométricas, criando uma ampla diversidade de corpos e formas. Além disso temos ainda o uso de texturas que lembram giz de cera para a criação dos cenários, fazendo do filme uma verdadeira obra de arte, algo como uma ilustração para livro infantil animada.

Acima de tudo isso temos uma história que fala de cooperação e união. Todos os personagens do filme, até mesmo os vilões, encontram na União a saída para os seus problemas, sejam eles quais forem e é essa união que os mantém vivos e confiantes de que poderão realizar os seus objetivos. Ao final, é tocante a referência cristã quando Klaus alia o seu nome a um Jesper meio apagado que salienta o J de Jesus.

Belíssimo.

Divertido e tocando, o filme é uma ótima pedida para todos, mas especialmente para as crianças, pois não se trata apenas de um puro entretenimento, mas uma verdadeira obra de arte que invoca os nossos mais puros sentimentos para gerar uma verdadeira fruição, não apenas estética, mas também emocional.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Dica quadrinística: "Superman Smashes the Klan" (2020)


 Pense numa história clássica do Superman? Pensou? Provavelmente será uma história em que o lado mais humano do Super é explorado em contraste com a vida de diversos seres humanos comuns para nos mostrar nosso melhor lado. Esse é o poder real do Superman, algo que é encarnado de forma muito singela nessa quadrinho.

Superman Smashes the Klan é uma HQ publicada originalmente em três partes entre o final do ano passado e o início desse ano, mas compilado num encadernado esse ano e que eu só tive a oportunidade de ler agora no final do ano. Sua narrativa conta a histórias dos Lee, uma família de imigrantes chineses já na sua segunda geração e que se mudam para o subúrbio de Metrópolis após o sr. Lee conseguir um trabalho numa agência de medicamentos da cidade. As crianças enfrentam muitos empecilhos com a mudança, pois se encontram num lugar novo e tem que se habituar a mudança, mas o principal empecilho é um grupo recém-formado de seguidores da Ku Klux Klan, os quais decidem expulsar os Lee do subúrbio. O que os racistas da Klan não contavam é que o sobrinho de um dos líderes não só começa a formar uma amizade com o filho mais velho dos Lee após o seu fracassado sequestro, como também o garoto é fã do Superman. Ao mesmo tempo, Superman descobre através da filha mais nova dos Lee que deve aceitar sua natureza para poder se sentir mais em casa.

A história é baseada numa outra história, bem antiga do Superman, mas essa história não foi publicada, ela foi originalmente transmitida entre junho e julho de 1946 nas rádios de todos os EUA no programa Adventures of Superman. Talvez até por isso, esse quadrinho seja tão bom, pois não conta com uma estrutura presunçosa nem falas surrealistas para passar a sua mensagem. Ao contrário, sua mensagem é transmitida de forma natural, singela e muito bela.

Em nenhum momento as discussões entre os personagens soa como planfetagem política, algo muito comum nos dias de hoje nos quadrinhos. Pelo contrário, nós encontramos personagens que apenas não se conformam com atos de violência sendo praticados na sua frente por motivos tão estúpidos. Em nenhum momento eles nos dão uma palestra sobre aceitação ou igualdade racial, mas tudo isso nós conseguimos captar pela própria narrativa. Encontramos personagens brancos, negros, asiáticos e de todo tipo de descendência possível (os artistas fizeram um bom trabalho em exibir traços característicos de diferentes etnias) numa narrativa que reforça o quanto cada um tem a aprender com o outro e o quanto a harmonia é importante para uma sociedade sadia.

O quadrinho também é guiado de forma simples, mas que não é preguiçosa, tornando-se singelo. A narrativa não tem grande reviravoltas e nem tenta simular uma narrativa cinematográfica, ao contrário, é uma pura história em quadrinhos. Logo nas primeiras páginas somos apresentados a todos os personagens que irão figurar em suas páginas e a partir daí é só desenvolvimento de história. Tá certo que algumas reviravoltas no roteiro mais para o final são meio preguiçosas e pareceu que, talvez, a história teria sido melhor com algumas páginas a mais, mas nada disso tira o mérito de um desenvolvimento narrativo muito bom ao longo de 2 capítulos e meio.

Por fim, a simplicidade com que seus temas são tratadas reforçam a natureza humana dessa história. Conhecemos dramas reais e muito próximos de nós. Ainda que você não seja um imigrante num país hostil, você com certeza já se sentiu deslocado. E isso é algo que até mesmo (ou talvez, principalmente) o alienígena mais forte da Terra sente. Ao final, recebemos uma lição de aceitamento, compreensão e evolução de nós mesmos de maneiro muito natural e que emociona. Fiquei arrepiado diversas vezes durante a leitura.

Gostei tanto que nem liguei para o estilo de arte quase que exageradamente infantil Gurihiru. Uma breve pesquisa sobre a dupla de ilustradores japoneses me mostrou que não foi uma escolha proposital por causa da história original em que o quadrinho se baseava, mas é o estilo deles mesmo. Aliás, um estilo que tem sido cada vez mais adotado, meio inspirado no chamado CalArt. Nas primeiras páginas foi algo que me incomodou, mas a história guiada por Gene Luen Yang é magistral e sua narrativa singela acabou se encaixando como uma luva no estilo dos artistas.

Fazia tempo que não lia uma boa e verdadeira história do Superman. Boa pelos motivos já apresentados, mas verdadeiras porque ela cumpre aquele papel que toda história de ficção científica deveria cumprir: através da ficção mais distante da nossa realidade, nos fazer olhar para dentro de nós mesmos.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Dica cinematográfica: "Os Exterminadores do Além contra A Loira do Banheiro" (2018)

 Esse filme deveria ter sido a dica de Halloween, mas como no Halloween eu ainda não tinha assistido essa pérola, então vai ser hoje mesmo que vou falar dele. Mas antes, é necessário dizer que, sendo um filme produzido pelo Danilo Gentili, eu já tinha conhecimento dele, mas nunca tive muita curiosidade em ver, apesar de ter gostado bastante d'O Pior Aluno da Escola. No entanto, após aquela patacoada que ele protagonizou no Flow Podcast e um comentário de um espectador lido ao final dizendo que o filme fora premiado internacionalmente e por aqui ninguém nem "tchau", resolvi ir ver, afinal, se o brasileiro não gosta, é porque deve ser bom.

O filme conta a história de Jack, Caroline e Fred, que junto com o cinegrafista Túlio, mantém um canal no Youtube fingindo que enfrentam coisas do além, igualzinho o que o SpookyHouses faz hoje em dia. E após um acidente envolvendo 2 alunos na Escola Isaac Newton, os quais invocam a Loira do Banheiro e um deles ter um "ataque epiléptico", o diretor os contrata pra gravar um vídeo e acalmar os ânimos dos alunos. O que ninguém contava é que o vídeo não contaria com a mesma produção porca de sempre da trupe de charlatões, pois a Loira não só é real, como ela querendo brincar com a vida de todo mundo.

A partir daí, o filme se desenrola num terrir maravilhoso. Cabeças explodindo, sangue jorrando pra todo lado, canibalismo, queimada assassina, telefone do mal, sexo com possuídos, ritual satânico, feto homicida e até mesmo um cocô possuído, enfim... bom gosto não define.

O filme é realmente um desses trashs incríveis que te farão gargalhar com tanta besteira, até muito mais do que as piadas. Além dessas escabrosidades todas, temos ainda uma série de participações muito boas, como a do Ratinho e do Sikêra Jr. que carregam o filme com bom humor. Dentro do filme há também uma sacada muito boa que é o núcleo formado por 2 professores, escalados pelos exterminadores do além e o diretor para aparecem no vídeo. No entanto, eles nunca são chamados para aparecer no vídeo, por causa dos acontecimentos terríveis dentro da escola e ficam alheios a toda a situação, conversando entre si sobre como dever ser organizado um filme de terror, gerando diversas piadas metalinguísticas que servem como uma boa transição entre uma cena de terrir e outra.

A produção do filme, infelizmente, ainda conta com alguns problemas técnicos (ou talvez deveríamos dizer características técnicas?) que incomodam. Uma delas é a própria direção, há cenas, como a da queimada, em que não temos dimensão de tudo o que está acontecendo, fora isso temos cortes muito abruptos nas cenas de destruição e, além disso, o som também não parece que foi bem masterizado, pois os gritos e falas muitas vezes ficam abafados em meio a trilha sonora. Tudo isso, sempre, nas cenas de terror. Talvez seja inexperiência do diretor com o gênero, talvez seja um estilo que ele decidiu adotar, porque já vi coisas assim em outras obras de terror. O que importa é que passa uma sensação de amadorismo.

No entanto, há o que se louvar nos aspectos técnicos também. A trilha sonora é excelente, a ambientação também, fizeram um filme de terror brasileiro, ou seja, nas cenas de dia tudo é muito claro, dando aquela sensação de calor que o nosso país exige. Como a maior parte do filme se passa a noite, talvez isso nem seja notado, mas é algo que chama a atenção logo no começo. Por fim, toda a construção do cenário ficou muito bem feita, cheio de pequenos easter eggs, que só os brasileiros irão captar. Tudo isso segue muito bem os parâmetros que nosso mestre, Mojica Marins estabeleceu décadas atrás e o grande recebe uma bela homenagem na obra.

E ainda assim "Os Exterminadores do Além contra A Loira do Banheiro" foi um filme muito premiado lá fora, o que me dá muito orgulho. Nossa produção nacional de filmes tem espírito criativo pra dominar o mundo, mas infelizmente não conta com todo o apoio necessário das empresas, instituições e até mesmo público e crítica nacional. Em todo caso, esse filme dá um fôlego novo para a cinematografia brasileira e, com certeza, se tornará um desses clássicos trash que iremos assistir em nossos computadores escondido e conversar com os amigos no bar, rindo muito.


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Dica audiófila: Phillips Taue100bk


Fones de ouvido intrauriculares são bem frágeis, na minha opinião. E por esse motivo eu sempre mantenho um fone na reserva, guardado e lacrado, enquanto uso um. Felizmente nos últimos tempos ganhei vários fones, mas infelizmente eram todos porcarias. Quando meu antigo Phillips SHE 2000 quebrou, afinal, nada é eterno, descobri que nenhum dos 3 fones que tinha na reserva prestavam e acabei me enfurecendo, quebrei todos e passei alguns dias sem fones, até que encontrei o filho do SHE 2000.

O Phillip Taue100bk faz parte de uma nova linha de fones de ouvido de baixo custo desenvolvido pela Phillips. Creio que, sim, eles são os herdeiros dos excelentes SHE 2000 que massagearam minhas orelhas por tanto tempo com sua ótima qualidade de som. Mais detalhes sobre o SHE 2000 você pode encontrar no post já linkado. Esse post será inteiramente dedicado ao seu filho bastardo.

Bastardo, primeiramente, porque ele não herda o nome de seu pai. O Taue100bk tem um novo nome, para uma nova roupagem. Ao contrário do SHE 2000 ele não segue o design clássico de fones intrauriculares, com uma saída de som chapada e redonda, que encaixa como uma luva na orelha. Infelizmente, o Taue100bk adota um design que não é completamente diferente, mas é diferente o suficiente para não se encaixar perfeitamente na orelha. Ao contrário, a saída de som do Taue100bk é "pontuda", oque direciona o som para o interior da sua orelha, aumentando o isolamento acústico, que nunca é ideal nos fones intrauriculares.

Eu entendo a intenção, é isolar o som, no entanto, isso é uma meta inalcançavel e, de certa forma, inútil em fones intrauriculares e o esforça apenas serve pra incomodar o ouvido. Seu design alarga a entrada do ouvido e, com o passar das horas, começa a incomodar. Não chega a machucar, mas gera um incômodo naqueles que estão acostumados a passar horas com fones de ouvido, como eu.

O ganho na ergonomia para direcionar o som não se encontra com os ganhos sonoros, de fato. O Taue100bk ainda contém um som cristalino e limpo que todo Phillips tem, mas ele tende a reforçar os graves, o que tira a definição dos médios e agudos. Esse desequilíbrio incomoda os ouvidos mais acostumados com sons mais equilibrados, o que é o meu caso. Também atrapalha gêneros mais naturais, como o jazz ou o rock.

Por fim, o Phillip Taue100bk não é tão barato quanto o SHE2000, o que já era de se esperar, dado a situação econômica do país.

Com isso, o Taue100bk não chega a ser um investimento tão bom quanto outros fones da Phillips, mas visto que o mercado hoje em dia dispõem apenas daqueles fones intrauriculares com borrachinha que estupra o seu ouvido, ele acaba sendo uma boa alternativa, talvez a única viável na relação custo-benefício para os audiófilos de plantão.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Dica literária: "Eneida"


 Tomei vergonha na cara e finalmente peguei esse tijolão que estava na minha estante há muito tempo para desembalar, ler e Deus me perdoe, mas esse é o poema épico que eu mais gostei, gostei até mais do que A Divina Comédia.

Eneida é o clássico romano que conta a aventura de Eneias, guerreiro troiano, após a Guerra de Troia e sua queda em direção à Itália, onde ele acabará por fundar Roma. Não ele especificamente, mas seus descendentes, os quais por sua vez são descendentes de troianos, por consequência.

O livro foi escrito por Virgílio e, pra quem não se lembra, é o poeta que guiou Dante pelo Inferno e o Purgatório n'A Divina Comédia e a obra é, de fato, fenomenal. Acompanhamos de forma clara e concisa a trajetória de Eneias que se arrasta por anos, indo de Troia até a Itália, passando pelo Norte da África, ilhas no Mediterrâneo e fundando cidades enquanto isso. 

Ao contrário de seus irmãos de gênero poético, Eneias não é apresentado apenas como um guerreiro ou um valoroso pai de família, mas como um verdadeiro religioso e, como tal, é o responsável por fundar a civilização. Eneias tem uma fé cega em sua missão dada pelas divindades de fundar uma cidade e continuar o reino de Troia e esse é o motor de toda a sua vida pós-guerra de Troia, deixando, inclusive, uma vida feliz que poderia ter vivendo no norte da África.

E é essa sua fé que funciona como o motor para a narrativa, pois não apenas é através dela que é realizada a sua trajetória, como é também no embate divino que ela se concretiza. Isso se dá não apenas de maneira negativa, com os desafios divinos impostos ao troiano, como também de maneira positiva, através das inúmeras bençãos que ele vai recebendo.

É interessante que isso poderia causar no leitor incauto a sensação de que Eneias é um verdadeiro bundão, mas não é isso o que acontece. Eneias é um homem belo, que impressiona pela beleza e também pela sua força de vontade que guia os troianos até o novo império. Mas é na segunda metade do livro que conhecemos o Eneias guerreiro que aparece na Ilíada, liderando um exército contra a força das cidades italianas e enfim começa a verdadeira chacina.

E ainda assim, Virgílio nos apresenta um Eneias justo. Ele mata seus adversários, mas nunca é de maneira gratuita, pelo contrário, ele o faz com grande justiça e essa também é uma de suas principais características. E também não poderia ser diferente, pois para a mente pagã a figura religiosa é também a figura jurídica. Não há diferença entre religião e política e por isso Eneias funda suas cidades com sacrifícios animais e também chora em êxtase ao encontrar a vontade divina de seus deuses.

É um livro extremamente profundo, como todos os épicos, creio eu, mas a edição em português da editora 34 a qual tive acesso nos apresenta sua profundidade de maneira ainda mais impressionante, pois a tradução de Carlos Alberto Nunes tenta manter o verso hexâmetro no qual o épico foi escrito. E o faz de maneira magistral. Obviamente que eu, um mero leitor brasileiro, não saberia dizer qual a grandiosidade desse feito de tradução sublime se não fosse pela introdução de João Angelo de Oliva Neto, a qual eu li antes de começar a me aventurar pela Eneida e só aumentou ainda mais a minha atenção para essa obra fenomenal.

A referida edição ainda é bilingue, contando com os versos originais em latim, o que acrescenta uma camada ainda maior para os que gostam de se aventurar pela nossa tão bela língua de origem.


terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Dica cinematográfica: "Tenet" (2020)


 Tenet é o mais recente trabalho de Cristopher Nolan, o diretor por trás de icônicos filmes como Cavaleiro das Trevas e A Origem. Sua sobras são alvos de grande apreciamento crítico desde que lançou sua primeira obra há exatos 20 anos atrás, Memento, mas tem e tornado alvo cada vez maior de críticas vorazes não apenas pelo seu conteúdo visto como polêmico nos dias atuais, mas também pela forma ambiociosa com a qual seus roteiros são elaborados. Em todo caso, me proponho aqui a discutir esse filme e mostrar que ele é um novo Memento.

Em Tenet encontramos um membro de uma força especial dos EUA que, após falhar em uma missão internacional na qual ele entra em contato com uma tecnologia que nunca tinha visto, é escalado para fazer parte de um time que deve deter a nova Guerra Fria, utilizando uma tecnologia que reverte o tempo ao seu redor.

Tão simples quanto é essa sinopse, é o começo do filme. Em pouco tempo somos apresentados ao herói principal, sua condição que o levou a ser parte de um time obscuro de agentes e a premissa principal por trás de todo o filme; a tecnologia que reverte o tempo. O filme é rápido, não respira, uma característica dos filmes do Nolan desde o terceiro filme do Batman e que é alvo das duras críticas que ele sofre, mas é algo interessante.

Em Tenet esse recurso não é maçante, porque o filme não se perde em longas elocubrações dos elementos de ficção científica que ele explora. Ao invés de entendermos a tecnologia, somos apresentados a solução por trás dela como mero "instinto" e as condições de sua criação, sua elaboração e a forma como foram obtidas também não são complicadas, mas também não são ruins. Muito pelo contrário, a simplicidade mantém a coesão do roteiro, que não se esforça em explicar muito, mas também não exige essa explicação.

Conseguimos acompanhar a jornada do Protagonista de maneira objetiva, clara nem tanto, mas direta ao ponto. O resultado é um baita thriller de investigação, paranoia e ação, uma espécie de James Bond bebendo Pynchon no café-da-manhã e indo dar uma caminhada com a série Bourne. É bom pra caramba e entretem como poucos filmes do Nolan conseguem fazer. Não me entenda mal, eu gosto dos filmes dele, mas é difícil reassisti-los. Esse não.

Mas então ele é claro? Não. E nem todo filme precisa ser pra ser um baita filme de ação. Ele é direto em sua elaboração, porém ainda é um filme com viagem no tempo e muito coeso, mas para entendermos a coesão temos que voltar diversos momentos algumas vezes. Eu me peguei voltando o filme algumas vezes em momentos-chave pra poder entender algumas passagens, especialmente quando as viagens no tempo começam a ficar mais frequentar, a partir da terceiro quarto do filme.

Por isso eu imagino que esse filme não agradará gregos e troianos (leia-se fãs e haters). Ele é direto demais pra agradar a base de fãs cabeçudos do Nolan, que gostam de um negócio complicado pra ficarem montando teorias, elocubrações e afins. Igualmente o filme continua sendo obscuro e rápido demais para os haters do Nolan, que ainda encontrarão um filme que não respira e muitas explicações que ainda exigem voltar o filme algumas vezes. Algo que os haters odeiam, mas eu gosto. Gosto de ser desafiado pelos filmes que assisto.

Por esse e outros motivos, é uma obra que destaca dentro da filmografia do Nolan. Não é muito como as outras coisas que ele já fez por aí, bem pelo contrário, a trilha sonora, apesar de ainda ser bem minimalista e ter um jogada bem inteligente, é barulhenta, tão impositiva que sentimos o seu peso na tela. As comparações com A Origem devem borbulhar em todo canto, mas Tenet é irmão mesmo de Memento.

Eu consigo ver muitos jovens, adolescentes mesmo, assistindo Tenet e gostando demais dele, indo, a partir daí, procurar o resto da filmografia do Nolan pra assistir. Tenet é um filme do Nolan que fala com a nova geração.

Em todo caso, é um baita filme, que merece ser assistido.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Os melhores perdedores das eleições de 2020

Um fenômeno interessante está ocorrendo em nossa sociedade e é apenas mais um sinal da evolução do Brasil em direção a uma maior consciência política: o choro de perdedores que concorreram a vereador ou prefeito neste ano de 2020!


O brasileiro vivia acostumado a ser enganado por políticos, vereadores passavam meses visitando as pessoas em casa, ofereciam carreatas, pagavam pequenos favores e sempre pedindo votos. Quando ganhavam as eleições recuperavam todo o dinheiro gasto com um mês de "trabalho" e depois passavam o resto do mandato engordando seus bolsos às custas do dinheiro roubado através dos impostos das pessoas que carregam o Brasil nas costas: os pequenos empresários e trabalhadores de pequenas empresas.


Esse ano os vereadores fizeram as mesmas coisas de sempre, mas o resultado foi diferente, muitos não foram eleitos e o povo brasileiro deu a sua tão desejada volta por cima. Viveu nas costas de vereadores durante todo o período de campanha pra malemá sair de casa no domingo e o resultado nós podemos encontrar logo abaixo.


Candidato revoltado porque emprestou dinheiro pra todo mundo, mas esse ano não! Esse ano o brasileiro não vendeu o seu voto por churrasco, gás de cozinha, compra da semana no mercado... bem feito!


https://youtu.be/CX1mEpOHjNk


E se ficar bravo vai ser pior, porque o cara vai ser zoado!


https://youtu.be/PMIXfmSoXgs


É melhor falar que ficou decepcionado, embora a decepção de política só sirva pra alegrar o povo brasileiro!


https://youtu.be/uLlK9jXOL9A


Agora tem gente que vai na onda do Trump, com a diferença de que não tem moral, nem razão pra falar alguma coisa. Recebeu 2 votos e eu já acho que foi muito!


https://youtu.be/OZvZj4niDHM




Enquanto que a Val diz que vai atrás dos votos no Inferno, se for necessário, outras ficam apenas com raiva, alegrando ainda mais os seus não-eleitores, que, com certeza, acham bem feito!!!






https://youtu.be/HoyqCCV6oZ0




Jesus já ensinava: a César o que é de César. Pastor que se envolve com política tinha que ter vergonha.






https://youtu.be/-HI6CXAZH0A




E teve até candidato descobrindo que a democracia não vale nada! Descobriu tarde, vossa excelência! Pode rasgar o seu título a vontade, o problema é todo seu.






https://youtu.be/1vazWXZf-5s




Mas a alegria é toda nossa!





E claro, não podíamos deixar de lado o grande depressivo: Robertinho do Gelo, que contou com muito apoio da molecada, pena que elas não podem voltar.






https://youtu.be/kLOgytPTy-w




Tenta de novo daqui 15 anos, Robertinho.





Pra finalizar, um bônus, o burraldo que não sabia o próprio número!






https://youtu.be/W1JUB5PTePM




AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!





Que essas cenas lamentáveis se repitam até o ponto em que o número de candidatos seja ínfimo, até que mais ninguém queira entrar em política pra poder acumular riqueza e que o Brasil sobreviva a esse mal terrível que é a democracia.










sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Dica especial do dia da consciência negra 2020!

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Mais um dia da consciência negra e mais um post louvando os grandes nomes das artes negras e dessa vez, apareço com um material que estava devendo aqui no blog, mais uma obra de ação da casa dos melhores dos melhores filmes, wakaliwood: Bad Black!

Neste filme recheado de ação, temos uma história de amor, vingança e muitas lutas, começando com um roubo a banco causado por Swazz, o Schwarzenegger ugandense, em busca de dinheiro para salvar sua esposa doente. Ele recruta uma criança como parceiro e realiza uma fuga explosiva, matando dúzias de polícias e cometendo suicídio em cima de um carro, atirando nele até explodir.

No entanto, seu parceiro foge e a partir daí acompanhamos a vida das crianças sob as mãos de um ex-comando que faz as crianças pedirem dinheiro pra ele no semáforo. Muitos anos se passam, até que uma delas busca vingança com a ajuda de um médico estrangeiro.

Como todos os filmes de wakaliwood, este não segue padrões narrativos ou estéticos. Sendo a wakaliwood um dos mais pobres centros de entretenimento do mundo, é surpreendente que consigam realizar filmes com orçamentos tão restritos. Ainda assim, há diversos efeitos, pobres, mas eficazes, criando cenas de ação, lutas bem coreografadas e uma direção dinâmica. Além disso, neste filme diferentes histórias se misturam, levemente conectadas, mas sempre culminando em cenas de ação e leves dramas.

Esse é principal diferencial de Bad Black. É o primeiro filme de Wakaliwood em que vemos desenvolvimentos dramáticos guiando a narrativa. Seja na forma de relações amorosas desastrosas, seja na busca por vingança. Isso acrescenta uma profundidade inexistente nas outras obras, indicando o desenvolvimento que esses filmes têm sofrido ao longo dos anos. É uma trasheira, mas é uma trasheira em desenvolvimento com um enorme potencial.

A criatividade corre solta, assim como o humor, uma marca registrada de Wakaliwood.  Temos a narração carismática de Nabwana I.G.G., simplificando para nós o que está acontecendo na tela e nos lembrando de que se trata de um fillme, o que estamos vendo. Um filme muito original e divertido.

A obra é um trash absoluto, mas como todo trash, tem a sua cultura e deve ser respeitado. Em wakaliwood filmes são feitos com o preço de um celular e contam com um potencial criativo que poucos diretores conseguem obter hoje em dia.

Infelizmente, não temos muitas notícias de Wakaliwood, principalmente agora com essa crise do vírus chinês, mas devemos ter esperança de que veremos ainda muitas obras, ganhando cada vez mais destaque e finalmente produzindo obras com um orçamento digno de sua criatividade.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Dica cinematográfica: "Lourdes" (2019)

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Mais um filme vindo da Lumine, que já foi indicada aqui no blog anteriormente e com uma bela surpresa.

Lourdes é um documentário que acompanha a peregrinação de algumas pessoas para o Santuário de Nossa Senhora de Lourdes, um místico lugar na cidade de mesmo nome onde Santa Bernadete Soubirous viu algumas aparições da Virgem Maria no século 19.

Dirigido de forma magistral, esse documentário é um deleite para os olhos, porém também um choque para a alma. É uma dessas raras obras de arte em que sentimos a intervenção divina como fonte de inspiração para os artistas responsáveis pela obra. E nítido que a inspiração foi enorme.

Porém temos que louvar os aspectos técnicos da obra. As cenas são impecáveis, a direção de áudio, idem. É um filme que alia de maneira incrível os aspectos belos e sublimes da arte. Por óbvio, as histórias dos peregrinos são tocantes, mas elas nos são apresentadas de maneira muito sensível, leve e singela. Em outros momentos, principalmente quando somos apresentados aos elementos mais "rígidos" da fé, como, por exemplo, a cena da eucaristia, onde diversos padres são filmados com uma canção minimalista, mas crescente, criando um ambiente imponente, poderoso, temeroso, mais ou menos como Dante conseguiu fazer com o Paraíso.

É impossível não se emocionar. Me peguei chorando em diversos momentos, tocado pelas imagens, mas principalmente sentindo o sofrimento de todos os personagens que nos são apresentados. Histórias reais, muito profundas e que nos lembram da dimensão da vida humana.

Lourdes é uma obra fenomenal, muito bem feita, dirigida e guiada de forma magistral. É também um documentário necessário para os tempos negros em que a Cristandade vive.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Qual o problema com A Escolinha?

Escolinha do Professor Raimundo

Ontem passei o dia com alguns parentes e tive o desprazer de ver a televisão de casa ligada na Globo, o que resultado em ver A Escolinha do Professor Raimundo, o humorístico da rede Globo que busca fazer um remake do clássico de Chico Anysio, um dos maiores humoristas desse país. Além da série tentar forçar uma consciência sociopolítica de maneira baixa, perda de oportunidades para fazer o humor pastelão que marcou o original e aliar o roteiro ao contexto terrível de uma pandemia, tentando normalizar a situação desumana em que somos forçados a viver, a série carrega um outro grande problema, o qual irei explorar nesse post e que é o seu principal problema: a imitação de antigos personagens.

Todos os personagens da série são imitações de humoristas atuais dos personagens de humoristas antigos, alguns, inclusive sendo feitos pelos filhos, como é o caso de Bruno Mazzeo e Lúcio Mauro Filho (algo até bem legal como conceito, mas que falha na execução). Isso acaba truncando os humoristas, pois eles não têm liberdade de fazer o que mais gostariam de fazer, que é contar as suas próprias piadas.

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E há no programa bons humoristas, mas eles têm que estudar e imitar humoristas do passado, fazendo sempre os mesmos bordões, as mesmas piadas e os mesmos trejeitos que já nos foram apresentados há mais de 20 anos atrás.

Além da falta de inovação, há a falta de empatia com o público, pois alguns personagens do programa original eram tão característicos de seus humoristas que é difícil separar o personagem do comediante como é o caso do Nerson da Capitinga, Joselino Barbacena e Seu Peru, para citar apenas alguns.

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Por fim, apesar de filhos seguirem os passos dos pais, eles não são a mesma pessoa. Já disse que a intenção de colocar os filhos para imitarem o papel dos pais é uma boa intenção da série, mas não funciona, pois cada um deles tem seus próprios trejeitos, estilo e até mesmo tempo. Chico Anysio é um showman superior ao Bruno Mazzeo, ele guiava a trupe de humoristas de um jeito que o atual não consegue fazer e Lúcio Mauro Filho será, para sempre, o Tuco, assim como seu pai foi, para sempre, Aldemar Vigário. Eu não veria problema nessa caracterização eterna que eles sofreram e imagino que seja até motivo de muito orgulho poder fazer parte da cultura brasileira dessa forma.

A nova Escolinha tem muitos problemas, mas este é o principal. É, de fato, difícil fazer um programa no estilo do humorístico com personagens novos, mas o programa já vai para a sexta temporada, o fetiche nostálgico já foi nutrido e eu acredito que seria melhor, para os telespectadores e os humoristas, se a rede Globo desse mais liberdade aos seus integrantes poder incluir novos personagens, fazer suas piadas e deixar o passado brilhar sozinho.

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Dica cinematográfica: "One Child Nation" (2019)

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Já que a China se tornou a líder mundial esse ano, porque não falarmos sobre ela aqui no blog? Afinal, nos próximos anos a influência chinesa se tornará cada vez maior e é bom nos prepararmos para o que vem aí.


Jialing Zhang é uma chinesa que emigrou para os EUA a fim de seguir uma carreira dentro da indústria cinematográfica da terra de Trump e lá ela teve seu primeiro filho. Ao visitar seus pais para lhes apresentar o neto, Zhang começou a lembrar da época em que era criança, nos anos 80, época em que a China implantou sua política de 1 filho. Ao revisitar as memórias, a diretora começa a descobrir fatos que nunca tinha se atentado e decide elaborar esse documentário sobre o tema.


A obra começa bem intimista, nos mostrando a vida de Zhang quando criança num vilarejo do interior do país, nos apresentando a forma como a política foi apresentada para os seus conterrâneos, através de uma ampla campanha propagandística que contava não apenas com os característicos outdoores e panfletos, mas também com músicas, programas na TV, no rádio e em anos recentes até na internet (os quais pertencem todos ao governo chinês). Ainda com todo esse bombardeamento de informação, a vida seguiu mais ou menos normalmente até a chegada do segundo filho de Zhang e aí as coisas começam a ficar sombrias.


A família da diretora começou a sofrer um certo ostracismo, eram vistos com maus olhos, até mesmo as outras crianças eram incentivadas a reagir com estranhamento com aquela notícia. E aí surge a pergunta: como a mentalidade de um país, que até então encarava como algo comum os casais terem vários filhos, pode mudar tão rápido e de maneira tão drástica?


A resposta é simples, mas é de difícil compreensão. O governo chinês é tão massivo, o alcance das mãos do Estado é tão imenso que eles conseguem controlar a forma como as pessoas pensam. Afinal, desde a revolução chinesa, que levou um monte de submissos a Mao a liderarem uma revolta armada e sangrenta contra o tradicional governo do país, a China se tornou uma nação de pessoas submissas ao poder de uma casta que tem garantias jurídicas de governar sobre todos. Em suma, a propaganda e o controle estatal fizeram essa mudança.


Mas isso é muito abstrato e o problema é ainda mais grave. Quando oferecem a mãe da diretora fazer um procedimento médico de infertilidade a diretora passa a investigar até onde essa influência do governo. Famílias inteiras eram ordenadas a se castrarem para que não tivessem mais filhos, afinal só há uma forma de uma lei ser imposta, é através da força e se a lei diz que você só pode ter um filho que outra forma de fazê-la valer? Castrando os casais que já tem um filho ou forçando mães a abortarem seus bebês nasciturros.


No entanto, num país com mais de 1 bilhão de pessoas, não há como realizar isso. O filme mais uma vez nos mostra a ineficiência inerte ao Estado, ainda que essa não seja a sua intenção. É impossível do Estado, mesmo o Estado mais autoritário, como o chinês, de controlar toda a sua população e o que vemos a seguir é algo ainda mais aterrador: num país com mais de 1 bilhão de pessoas, com um Estado esmagador e uma população sem virtudes, é óbvio que haverá a criação de um mercado negro.


Foi a partir dos anos 80 que programas de adoção internacional se voltaram para a China, afinal, casais não podiam ter mais que 1 filho, então eles eram deixados para adoção. Nada de errado, é até uma atitude muito bonita, mas o problema que o documentário nos mostra é que, muitas vezes, isso era feito sem a consessão dos pais. Bebês sumiam das casas, eram levados embora para nunca mais serem vistos por "fiscais", os quais oficialmente nunca foram ligados ao governo e eram vendidos a orfanatos que então negociavam com agências de adoção internacional.


O resultado é uma bagunça e um tratamento desumano de revoltar. Mães viam seus filhos irem embora para nunca mais voltar, "fiscais" recebiam dinheiro por levar bebês até orfanatos, às vezes cumprindo até uma certa cota semanal de bebês, gêmeos eram separados e enviados para famílias diferentes ao redor do mundo.


É uma crueldade sem tamanho, mas é apenas no final que chegamos ao momento mais desolador do filme. Quando a diretora do documentário já tinha descoberto tudo isso e decidiu apresentar os fatos para diversas pessoas da sua vila, pessoas que inclusive perderam seus filhos, encontra uma reação branda, um dar de ombros resignado e aceptivo para com as barbáries cometidas contra eles mesmos. E aí vem a observação que deveria ter encerrado a obra: "quando toda decisão é tomada por outra pessoa que não você a vida toda, fica difícil se sentir responsável pelo que acontece".


E essa é a realidade do povo chinês hoje. Não importa quantos crimes contra a humanidade a China cometa, seu povo não se sente responsável por isso, porque, de fato, eles não o são. São apenas peças dentro de um joguinho onde apenas Xi Jinping e seus parceiros de casta podem participar. Ninguém na China anda com as próprias pernas, levanta a cabeça sem que o governo diga para levantar, fala ou respira sem que lhe dêem permissão. É um povo submisso e vítima de qualquer tipo de barbaridade. 


Nem a mente mais maléfica poderia pensar numa realidade tão distópica, mas o mundo tratou de realizar isso para nós e nós devemos aprender e caminhar sozinhos.


A realidade brasileira não está muito distante. Infelizmente, a mentalidade popular é também submissa, abandonada ao relento, acreditamos que as pessoas ao nosso redor não conseguem caminhar sozinhos e precisam de um apoio, mas um apoio estatal é um apoio que não vai embora, é um apoio que só cresce e isso aos poucos vai nos desumanizando.


É preciso reagir.





terça-feira, 22 de setembro de 2020

Dica cinematográfica: "O Beijo no Asfalto" (1980)

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Vi esse filme no instagram do Pedro Sette-Câmara e fiquei curioso na obra, baseada numa peça de Nelson Rodrigues e supostamente girardiana. De Girard eu entendo e decidi ver qual é a desse filme.

O Beijo no Asfalto conta a história de Arandir, um rapaz recém-casado, trabalhador honesto e boa pinta que vê um acidente de trânsito, onde um rapaz é morto. Apenas mais um dia na cidade grande, não fosse pelo fato de que Arandir se aproximou do rapaz moribundo e o beija na boca. Nada mais estranho, não fosse pelo fato de que a cena foi presenciada pelo sogro de Arandir, que correu para a casa da filha a fim de saber se ela não notara nada estranho com o marido recentemente.

Paralelo a esse rio de estranhezas, temos um chefe de polícia que havia se envolvido num escândalo e estava correndo o risco de ver sua carreira escorrer pelo ralo e um repórter que, sabendo do acidente, decide unir forças ao policial para fazer fama solucionando um caso bizarro.

Pelo fato de ser uma obra rodrigueana e ter sido feito nos anos 80, o filme não tem nenhuma das discussões chatas que hoje geraria com relação a relacionamento homossexuais e violência policial. Ao contrário, a história nos é apresentada da maneira mais crua possível e não poderia ser melhor.

O filme é cru, frio e nada polemista, apesar do tema que trata. Tudo é apresentado com naturalidade e nós, espectadores do século 21, acostumados a ter as opiniões regurgitadas para nós a fim de uma digestão rápida, ficamos estarrecidos.

Aos poucos, a superfície normalizada a qual somos apresentados, vai se diluindo e seu momento mais marcante é quando pai e filha caçula discutem sobre uma suposta relação incestuosa que existia entre o pai e a filha mais velha. A discussão é tratada com zombaria, mas os espectadores ficam com uma pulga atrás da orelha, exceto os girardianos, que vêem isso com um sorriso no rosto, mas sabem que nas boas obras nada é entregue de bandeja assim.

O buraco é mais profundo e a cena final, de conflito, contrastes e revelações é um escândalo, mas é excelente e, neste filme, é lindamente filmada, de forma a nos apresentar um retorno ao início da obra. Deu a lógica, mas é a lógica girardiana.

Vale muito a pena conferir esse filme, que é um diamante oculto, na minha opinião. Mais uma dessas obras antigas em que se faziam filmes corajosos que nada deixavam a desejar ao cinema exterior e que, infelizmente, se perdeu no meio de trágicos investimentos públicos a comédias pastelões.

Ainda bem que existe a internet pra nos presentear com essas obras.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Dica quadrinística: "Slam Dunk" (1990-1996)

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Finalmente terminou a publicação de Slam Dunk no Brasil pela Panini numa edição de luxo que não deixa nada a desejar para as expectativas criadas em torno dela, mas será que a história valeu todo o investimento?

Slam Dunk conta a história de Hanamichi Sakuragi, um valentão que só se mete em confusão com outros valentões do escola colegial onde estuda, o Shohoku. No entanto, o rapaz tem um coração romântico e após levar mais um fora de uma menina que gostava, se apaixona por Haruko Akagi, que lhe apresenta o basquete e afim de impressionar a menina, Sakuragi entra no time de basquete do colégio.

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O problema é que o time de basquete é constituído pelo irmão mais velho de Haruko e pela sua paixão platônica, Kaede Rukawa, o qual também é um sisudo astro do basquete colegial. Takenori Akagi, o irmão mais velho de Haruko tem a ambição de fazer do Shohoku o campeão do campeonato intercolegial nacional e acaba aceitando a entrada de outros encrenqueiros no time, como Mitsui e Miyagi.

A partir daqui teremos spoiler, TEJE AVISADO!

Do começo do mangá até a entrada e formação de todo o time, acompanhamos um time desastrado lentamente entrar em ordem. E por lentamente, eu quero dizer, shonen-namente lento! As partidas de basquete, que no mundo real duram menos que a metade de uma partida de futebol, duram volumes inteiros, aprofundando-se ricamente em cada um dos personagens, cada um com seu próprio drama, passado e motivação. Essa lentidão serve pra criar uma aproximação do leitor com cada um dos membros do time e, ao final do volume 16, eu literalmente chorei.

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Imagine um filme de esporte muito emocionante... imaginou? Pois é, Slam Dunk é ainda melhor. O Shohoku é um time azarão, vindo de uma escola normal com um capitão (Akagi) que tem um sonho muito grande para a escola em que se encontra. No entanto, com a chegada de Rukawa, um astro do basquete, vê a oportunidade de entrar no campeonato. Sakuragi é um desastrado, mas suas habilidades evoluem muito e, acreditando nas palavras da irmã, Akagi decide dar uma chance para o ruivo. Por fim, Miyagi entra no time após se envolver numa briga com Sakuragi, mas se torna seu amigo e Mitsui, que havia perdido o controle de sua vida, volta para o time. Todos se reúnem em torno do técnico Anzai, que também tem seus próprios dramas, baseados num ex-aluno numa época em que era exigente demais. Aos poucos e depois de algumas derrotas feias, o time vai ganhando espaço, vencendo os jogos, conquistando campeonatos e sempre se superando. Nesse quesito é o típico shonen onde os personagens principais vão tirando poder do rabo e vencendo todos os vilões do nada, mas há uma diferença subtancial: esse não é um shonen comum.

Slam Dunk não se passa numa realidade paralela com poderes especiais, muito pelo contrário, é um mangá bem pé no chão e, ao mesmo tempo em que nos aprofundamos nos dramas pessoais de cada um dos jogadores titulares do Shohoku, mergulhamos também na arrogância dos jogadores dos times adversários que não acreditam que podem perder para um time pequeno como o Shohoku. Nós torcemos a cada página para a descoberta de novas habilidades, para a superação dos desafios e as vitórias que os azarados vão conquistando.

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E tudo tem um custo. Ao final do mangá, o time alcança um nível que, outrora, seria impossível de ser alcançado não fosse o fato de que, para isso, eles sacrificam os seus sonhos. É semifinal, se não me engano, do campeonato nacional e eles estão enfrentando o melhor time do Japão, todos dão tudo de si e nosso anti-herói ruivo sofre um acidente e, literalmente, sacrifica as costas para poder ganhar do melhor time do Japão. O jogo é incrível, super bem desenhado, com uma narrativa incrível guiada pelas sábias e talentosas mãos de Takehiko Inoue, mas é decepcionante.

Não é o jogo da final e o Shohoku acaba perdendo o campeonato. Sakuragi não joga basquete, embora ao final ele prometa para si mesmo que vai voltar a jogar, Akagi não consegue a bolsa esportiva pra jogar basquete, Rukawa não vai para os EUA e Miyagi e Mitsui são os únicos que continuam jogando basquete no Shohoku, ainda um time azarão, ainda não sendo uma potência no basquete japonês, basicamente começando tudo de novo.

É um pouco decepcionante, pois a relação que criamos com esses personagens é muito forte, mas isso é ver o copo meio cheio, pois ao longo do último jogo vemos um time que cresce unido, com jogadores confiando um nos outros e fazendo de tudo pelo time, não só por eles mesmos, mas para que todos pudessem ganhar e se dar bem. É uma baita lição de companheirismo, resiliência e vivência pela comunidade.

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O mangá é desenhado por Takehiko Inoue e é fruto da paixão do autor por basquete. Inoue tem mais fama, atualmente, pelo seu mangá de samurai, Vagabond, mas o traço dele é muito diferente em Slam Dunk. Ao invés do traço rabicado encontramos aqui um traço muito firme, detalhista e com um pé no realismo. A arte é incrível e na atual edição que a Panini acabou de lançar temos o prazer de ver rabiscos do autor e páginas coloridas. Infelizmente, na versão japonesa dessa edição de luxo, temos páginas pintadas mas apenas de vermelho, que é a cor do Shohoku e isso não foi mantido na edição brasileira. Uma pena e faz realmente muita falta, pois essas páginas são substituídas por terríveis tons de cinza bem mequetrefes, os quais não fazem jus ao preço que pagamos. Em todo caso, são detalhes que não diminuem o valor artístico dessa obra sensacional.

A sensação de ver o final dessa série que me acompanhou pelos últimos 5 anos é amarga, mas ao mesmo é um alívio não ter mais que gastar dinheiro com os quadrinhos inflacionados da Panini, como é o caso de Lobo Solitário, o outro mangá que estou colecionando.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Dica teórica: "A Vida Intelectual" (1921)

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Recebi a dica de leitura desse livro de um comentário no blog e, como ouvi falar muito dele, resolvi comprar e li rapidamente. Uma ótima obra, de fato e me arrependo de não ter a lido antes.

A Vida Intelectual foi escrita em 1921 por um dos intelectuais franceses que, na primeira metade do século XXI, revolucionou o pensamento católico ao retornar a filosofia tomista, em desuso na época. É algo difícil de imaginar hoje, quando a Igreja se divide entre líderes populares feito de gato e sapato por quem está no poder e líderes modestos que repousam nos ombros dos gigantes do pensamento ocidental. No entanto, estamos falando de uma obra escrita numa época em que o doutor angélico estava completamente esquecido.

E baseando-se numa carta de Santo Tomás em que ele recomenda 16 passos para um bom estudo, Sertillanges desenvolve conselhos para desenvolver um bom estudo, angariar conhecimento e ter uma boa vida balanceada. Sim, o livro não é apenas voltado para a área da educação, mas ele engloba conselhos para toda a vida de quem tem a ambição de ser melhor, simplesmente.

O livro foca na vida de estudos e é assim que ele começa, como desenvolver uma boa vida de estudos? No entanto, para se ter uma boa vida de estudos, é preciso ter uma vida equilibrada. É preciso paciência, para não se atropelar nos conhecimentos, afinal ninguém aprende física sem antes aprender matemática e ninguém aprende raiz quadrada antes de saber multiplicar e ninguém aprende a multiplicar sem antes aprender adição. O conhecimento é como uma árvore, que tem raízes muito bem definidas, estáveis e fortes, mas que se divide em inúmeros ramos.

E esse talvez seja o principal defeito do ensino brasileiro atual, pois nossos alunos são levados a aprender coisas fora dessa linha de desenvolvimento natural. Abra qualquer livro de português do primeiro ano e veja como são ensinadas as palavras. Ao invés do aluno aprender o beabá, unindo letraspara formar sílabas e sílabas para formar palavras, ele aprende palavras dentro de contextos que, supostamente, deveriam fazer parte da sua realidade.

Nada mais errado...

Mas enfim, além de paciência, é preciso humildade, para saber reconhecer sua ignorância. Lembra dos pensadores que estão em ombros de gigantes? Pois é, os gigantes também estão repousados em algo e Sartilanges nos diz que é a Verdade. Alguém que almeja ser um pensador, levar uma vida de estudos, tem que entender que se busca a Verdade, acima de tudo, mas todo mundo começa de maneira humilde.

Além disso é necessário temperança, para não se sobrecarregar, afinal mesmo o estudo, que é algo bom, pode ser algo ruim. Pra quem é católico, é fácil identificar ensinamentos bíblicos muito populares nas diversas comunidades, como o de que não se peca apenas pelo excesso, mas também pela omissão.

Ao final, aprendemos que a vida de estudos, apesar de parecer rígida e rigorosa, é, na verdade, doce e divertida. É uma vida que todos deveriam almejar, mas alguns tem uma vocação especial para isso. E mesmo aqueles que não tem essa vocação, sempre poderão achar um espaço em sua rotina para os estudos.

A quem almeja essa vida de pensador, mesmo as horas de lazer são aproveitadas para o aprendizados, para a abstração de conhecimento, que se concentra em todas as medidas de todas as coisas. Quanto mais conhecimento, mais próximo estaremos da Verdade.

O livro tem uma popularidade renovada no Brasil. Isso é um excelente sinal, nossa cultura tem de fato evoluído para melhor e podemos encontrar essa obra em diversos formatos, tem capa dura, capa mole, edição bilíngue, enfim... é uma obra básica, como eu disse, deveria ter lido antes, teria facilitado muito minha vida, mas é também uma obra profunda.

Uma obra que merece ser revisitada muitas e muitas vezes.

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Dica quadrinística: The Complete Calvin and Hobbes (2005)

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Em meados do ano passado eu realizei uma compra absurda: gastei mais de 200 reais numa caixa com 4 livros num formato muito estranho, retangular deitado, onde se encontravam todas as tirinhas publicados de Calvin e Haroldo, precedidas de um comentário do seu autor.


Hoje, mais de um ano depois, 1450 páginas de leitura finalizadas, percebo que foi o dinheiro mais bem gasto da minha vida.


São 4 volumes, com quase 400 páginas cada um e logo no primeiro, temos um longo texto de apresentação do autor, Bill Watterson, contando como foi sua trajetória de vida, da sua infância numa cidade pequena do interior de Ohio até seus desentendimentos com o sindicato de cartunistas que levou a sua aposentadoria dos periódicos.


A história de vida dele é bem inspiradora. Não é daquelas com enormes e absurdos atos de heroísmo, bravura ou resistência, mas é uma história simples de muitas decepções, esforço e esperança que qualquer um pode se identificar. Formado num curso de desenho na universidade onde um dos seus artistas favoritos trabalhava, ele foi contratado por um período de teste num jornal para fazer charges políticas. No entanto, o trabalho exigia muito mais do que seu conhecimento da realidade local poderia sustentar e ele acabou sendo demitido. A partir daí começou a trabalhar numa agência de publicidade, voltou a morar com os pais, desenhava seus projetos pessoais tentando achar uma oportunidade de emprego como cartunista por 4 anos até que foi contratado por um jornal local perto da região onde cresceu e lá começou toda a história de Calvin e Haroldo.


A obra é magnífica pois nos mostra não apenas a completude das desventuras de um menino hiperativo e seu tigre de pelúcia, mas também o desenvolvimento de Watterson como artista e o desenvolvimento da indústria de histórias em quadrinhos nos EUA.


Mas vamos por parte. Falemos primeiro das aventuras de Calvin e Haroldo.


As tirinhas incluíam inicialmente apenas o garoto, mas logo Haroldo foi apresentado e aí as tirinhas deram um giro de 180 graus para o absurdo. As histórias passaram a incluir dinossauros, aventuras no espaço, aventuras de um herói genérico de capa e máscara, inimigos alienígenas, monstros embaixo da cama, viagens no tempo, mas tudo sem perder a conexão com a realidade. Em nenhum momento somos levados a crer que as aventuras fantásticas de Calvin são reais, muito pelo contrário, somos lembrados a todo momento que elas são imaginárias e que ele é, de fato, um garoto hiperativo e, tenho certeza, um estudante de psicologia dedicado iria encontrar uma série de traços neuróticos no garoto.


No entanto, isso não interessa a Bill Watterson, o que o interessa é tecer críticas e comentários ácidos sobre a condição da cultura americana e fatos do momento, mas que, mesmo hoje, com quase 30 anos de distância, continua atual e é até assustador o quão premonitório são certos comentários e atitudes do loirinho de cabelo arrepiado.


O estilo de Watterson faz um desenvolvimento incrível ao longo das aventuras e isso é o que mais me chamou a atenção ao longo dessa leitura divertida. Começando de forma simples, respeitando as formas geométricas que são a base de qualquer desenho e chegando finalmente ao estilo tão característico e copiado dele, livre, criativo, belíssimo!


E é por ser tão copiado e também por outros fatores que ele não desenha mais. As histórias de Calvin e Haroldo, muito cedo, fizeram sucesso e logo foram surgindo ofertas para serem distruidas para outros jornais e até mesmo para outras partes do mundo, o que levou a minha mãe a conhecê-lo. No entanto, Watterson sempre foi meio relutante quanto a isso e achava legal as tiras serem publicadas, mas ao mesmo tempo não queria que elas se transformassem em produtos altamente mercadológicos. Em pouco tempo surgiram propostas para ele vender os direitos de imagem para bonecos, desenhos animados e afins, mas ele nunca quis.


E então entra a pirataria. Sabe esses adesivos de carro que mostram o Calvin mijando e mostrando o dedo do meio? Pois é... Bill Watterson desperdiçou muito dinheiro pra processar todo mundo que abusava dos seus desenhos, mas chegou num ponto que ele percebeu aquilo que Holden Caulfield nos ensina: "nem em 1000 anos você poderia apagar todos os foda-se do mundo". Ele desistiu de acabar com a pirataria, mas sempre se entristeceu ao ver sua obra ser usada e abusada por aí.


A razão disso é Watterson considerava suas tirinhas mais do que apenas tiras de jornal, mas também obras de arte e tentava explorar o potencial artístico daquilo. Por essa razão sua preferência eram os quadrinhos dominicais, que eram publicados numa página inteira de jornal, coloridos e lá você percebe que ele, de fato, dedicava-se mais.


Eram nessas páginas que havia um cuidado maior com os desenhos, havia uma exploração imensa de possibilidades para enquadrar a história e, de fato, são verdadeiras obras de arte. É, de fato, o que faz o quadrinho ser considerado a nona arte.


No entanto, isso não durou muito. Logo o sindicato passou novas regras para a publicação de quadrinhos, para os valores que os autores recebiam e Watterson se revoltou contra a máfia se tornando uma das vozes mais ferozes contra eles, mas não teve como. E você percebe essa mudança nas páginas, os quadrinhos passaram a ser publicados num formato menor e padronizado. Ainda que Watterson tenha procurado explorar o formato o máximo que pode, inserindo quadrinhos de diversos tamanhos, expandindo o cenário para além das linhas de divisão de quadros e as possibilidades narrativas incluídas ali, não teve jeito. As represálias e a opressão da máfia sindicalista aumentou a um ponto em que ele desanimou completamente de desenho e entre 1994 e 95 entrou num ano sabático.


Eu não sei exatamente quando foi exatamente que os fatos que mencionarei aconteceram, mas sei que Watterson não estava sozinho e Jeff Smith foi um influência para Watterson desistir de tudo. O mercado de quadrinhos independentes já existia há tempo, mas foi só no início dos anos 90 que ele bombou e Jeff Smith se tornou uma de suas figuras mais importantes com a publicação de Bone. Smith foi o cara que decidiu montar os encadernados de seus gibis e vendê-los em livrarias. É óbvio que o negócio deu certo e seguindo a mesma ideia, sabendo que era possível, Watterson abandonou o sindicato, os jornais e decidiu publicar por conta os livros que nós conhecemos de Calvin e Haroldo.


Infelizmente essa edição histórica não está disponível em português, mas ouso dizer que vale a pena o original em inglês, pois eu identifiquei várias piadas que foram neutralizadas em português, como piadas que fazia referência ao comunismo. Portanto, em inglês, você tem ideia da total dimensão que as aventuras de Calvin e Haroldo alcançavam em sua crítica, ainda atual, à sociedade.


Uma obra de arte magnífica, um trunfo da nona arte, de valor social, história, artístico, mas principalmente, de divertimento.


A ver: Querido, sr. Watterson.





quinta-feira, 3 de setembro de 2020

O que eu perdi: "You Are Beneath Me" do End of a Year (2010)

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Completando 10 anos em 2020, You Are Beneath Me é a desculpa perfeita para eu restaurar essa categoria de posts que não recebe atualizações há mais de um ano.

[bandcamp width=100% height=42 album=451097658 size=small bgcol=ffffff linkcol=0687f5 track=595934135]

You Are Beneath Me é o terceiro álbum do Self-Defense Family, que em 2010 ainda se apresenta sob a alcunha de End of A Year e é sob essa alcunha que eu lhes apresento, até porque há uma mudança na forma como a banda se comportou após a mudança de nome, pois até então eles eram muito mais hardcore puro e simples do que a banda experimental de rock que se tornaram a partir do excelente Try Me, embora os elementos que viriam a classifica-los como "rock experimental" já estivessem todos ali, em You Are Beneath Me.

A começar pela primeira faixa do álbum, a qual é simplesmente um receituário de como ouvir apropriadamente este álbum, com caixas de som ruins, distribuídas numa forma triangular ao redor da sua cabeça, além de alguns conselhos pra sua vida, como entender que seus pais merecem respeito até o momento em que eles se divorciarem e que você deve se render a mídia. Isso tudo é feito num spoken word típico do Patrick Kindlon, o talentoso vocalista que é também escritor de HQs.

Aliás, todas as canções contam com esse vocal falado, que não parece ser propositalmente colocado ali para parecer um spoken word, é apenas o jeito que o Patrick escolheu "cantar", não cantando. Para quem acompanha os outros álbuns do Self Defense Family e Drug Church (outro projeto musical do cantor), sabe que ele, hoje, tenta cantar, mas naquela época ele ainda estava pouco se lixando para isso.

[bandcamp width=100% height=42 album=451097658 size=small bgcol=ffffff linkcol=0687f5 track=1286611323]

Isso é claro que afasta muita gente, mas acho que poucos iriam negar que a banda é muito boa, harmonicamente falando. Contando com referências daquele estilo de hardcore que se popularizou em volta da capital dos EUA (a minha preferida sendo o Bad Brains), eles criam um som rápido, explosivo, mas não agressivo como muitas bandas mais próximas do metal. Há também uma veia mais próxima do indie, que na época já flertava com o hardcore nos EUA e iria culminar naquele excelente álbum do Cloud Nothings e no Title Fight.

Todas as canções, exceto a primeira, são nomeadas com base em pessoas que os membros da banda conheciam, mas isso é apenas um detalhe interessante, nada que afete os "conceitos" trabalhados, que não encontram nenhuma coesão. As letras falam de basicamente qualquer coisa, desde como ouvir o álbum, até os desejos humanos, a falta de explicação para porque alguns idiotas roubam e heranças. Tudo com um ar debochado típico dos descolados daquela época, sem achar um tema em comum que cole tudo junto. As letras estão mais para grandes aglomerados de ideias e pensamentos que transitavam pela mente do vocalista quando ele as escreveu, mais ou menos como um grande fluxo de consciência punk regrado a fortes e enérgicas melodias.

O álbum completa dez anos agora em 2020, mas ainda não recebeu todas as gratificações que merecia, pois ele adiantou muita coisa que viria a aparecer tanto na cena do indie rock quanto na cena do hardcore nos EUA e talvez fosse até por isso que a banda acabou aparecendo em grandes festivais de música após o lançamento.

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Aos que gostariam de ouvir mais, a continuação da banda como Self Defense Family não é recomendada, mas os vocais de Patrick Kindlon encontram uma continuação junto de Drug Church, que é o projeto mais próximo desse álbum no momento e é igualmente incrível.

Em todo caso, fica aqui o meu obrigado a banda por soltar essa pérola e também um parabéns por terem realizado tal projeto, que foi muito bem sucedido, envelhecendo deveras aprazível para a audição de quem curte umas boas guitarras rasgadas.

 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Dica cinematográfica: "Lu Over the Wall" (2017)

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Hoje a dica é de um filme que eu, lastimavelmente, perdi na época em que ele saiu.

Lu Over the Wall é mais um filme criado pelo incrível Massaki Yuasa, que já apareceu aqui no blog algumas vezes e conta com o seu característico estilo de desenho colorido, fluído e personagens alongados. Dessa vez ele nos conta uma história de amor a-lá Ponyo, mas da maneira única dele.

Logo no começo do filme começamos Kai, um típico garoto personagen principal de animes, sente-se isolado, não conversa com muita gente, senta perto da janela na escola e esconde um talento: o da música. Kai passa as noites fazendo canções, o que atrai a atenção de uma sereia que mora na baía próxima a casa dele. Curioso, ele decide ensaiar com uma banda de dois colegas de sala, os quais tinham acesso a uma enorme rocha cujas lendas diziam que protegia as sereias. Nesse dia, Kai conhece Lu, uma serei muito animada, que quando ouve música consegue transformar seu rabo em pernas e pode interagir com humanos.

A partir daí o grupo se envolve em várias desventuras, que levarão Lu a se tornar uma sensação da cidade, seu pai também aparece, ajudando os pescadores, os dois (pai e filha) serão presos, junto com Kai e seus amigos quebrarão a maldição da grande rocha e terão que se mudar.

Sim, eu entreguei o filme todo, mas não se sinta mal com isso, pois não é essa história principal o que importa. O que importa é como a narrativa é bem guiada nessa obra, coisa de mestre mesmo e que mostra o quanto o Masaaki Yuasa está próximo dos grandes nomes do cinema de animação, como Walt Disney e Hayao Miyazaki. Claro que o foco dele não são filmes para a família, mas se fosse já teria se tornado um queridinhos dos nerds e otakus de plantão.

Esse filme é a prova cabal disso.

No entanto, ele conta com seu característico estilo de animação e eu sei que isso acaba afastando muita gente da sua obra. Não entendo como, mas essa é a realidade. Tem muita gente que não gosta do seu estilo de desenho.

Já eu acho um deleite para os olhos e nessa história mais ainda, pois há a presença de muita água e se há algo que encaixa muito bem com seu estilo de animação é água. O estilo já é fluído e leve, encaixando perfeitamente com a temática, como se a animação fosse uma extensão da história, contribuindo ainda mais para a construção da narrativa.

O filme ainda conta com uma trilha sonora incrível, cheio de músicas pops reais japonesas. Mas também não poderia ser menos do que isso, porque boa parte do filme também é focado no tema da música; todos os personagens têm talentos musicais. Assim como a animação, a trilha sonora também se encaixa como uma luva no filme, transformando-se em parte integrante da narrativa e contribuindo para a sua construção.

E aí, o que mais você precisa saber pra ir assistir Lu Over the Wall?

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Crônica: Gabriela e Paola discutem aborto

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Quando, após o almoço, Paola ouviu o repórter anunciar na TV que ministros do STF absolveram um médico que realizava operações abortivas em sua clínica no Rio de Janeiro, entendendo que até o 3º mês, o ato não seria crime, a menina ficou eufórica. Sendo uma, autonomeada feminista, achou isso um ato de extrema humanidade, um grande passo para as mulheres do país e já havia entrado em calorosas discussões com sua mãe sobre o assunto. Morando numa cidade pequena como aquelas, suas opiniões acerca do tema já haviam sido espalhadas para todos os bairros, praças, casas e ruas estreitas. Paola mal podia esperar para ir à escola naquela tarde e você podia entender pelas suas passadas apressadas no corredor em direção à pequena biblioteca do segundo andar, onde ela iria encontrar Gabi, a sua melhor amiga naquele atarefado, porém jubiloso, 2º ano do colegial.

A chuva do lado de fora, culpada por fazer o princípio da tarde parecer um final escuro de tarde, era a causa do sono que Gabi sentia, curvada sobre uma mesa de estudos, tentando tirar um cochilo, pensando qual a melhor forma de adjetivar uma figura de linguagem impessoal e se isso lhe valeria alguns pontos a menos quando entregasse sua redação na próxima aula.

“Você ouviu?”, perguntou Paola para a amiga, assim que entrou na biblioteca. Não havia mais ninguém ali, por isso ela podia fazer barulho como se estivesse em casa, só que não fazia, porque não estava em casa, estava na escola.

“O quê?”, indagou Gabriela levantando o rosto da carteira e jogando seu cabelo para um lado da cabeça.

“A notícia sobre aborto!”

“Ah, sim...”, respondeu Gabi, debruçando-se novamente sobre a mesa.

“E aí? Demais, né?”, inquiriu Paola, sentando numa carteira à frente da amiga.

“Por que seria?” foi a resposta de Gabi.

“Por que seria?”, repetiu Paola “Ora, porque é importante. Pode ser o primeiro passo para legalizarem o aborto finalmente.”

“Ele já é legalizado.”

“Não é não. Se você ficar grávida não pode abortar.”

“É legalizado em todos os casos necessários, se é uma gravidez fruto de estupro, se o bebê ou a mãe correm risco de vida ou se o bebê é deficiente.”

“Anencéfalo.”

“O quê?”

“Se o bebê é anencéfalo.”

“Continua deficiente.”

“A questão é que não é legalizado, ele é ilegal, exceto esses casos.”

“E além desses casos, porque você quer abortar? Pura vaidade?”

“Eu não quero abortar, eu quero apenas ter a escolha de abortar!”

“Por que ter a escolha se você não vai usar?”

“Eu posso não usar, mas alguém vai!”

“E essa alguém vai usar por quê? Por pura vaidade?”

“Qual o problema com a vaidade? Deixa as pessoas serem vaidosas, é problema delas!”

“Até o ponto em que elas prejudicam outra pessoa.”

“E como elas poderiam prejudicar outra pessoa nessa questão, hein?”

“Vão estar matando alguém.”

“Ah, por favor, o bebê nem tem consciência até os 3 meses de vida!”

“Mas vai ter.”

“Só se ele se desenvolver além dos três meses.”

“Você não pode pensar assim, não é porque ele não desenvolveu consciência que ele não é um ser humano. O processo que antecede o desenvolvimento da consciência é parte da construção da consciência, é claro que não ele não tem consciência até os 3 meses, ele não tem nem cérebro, mas o seu corpo está sendo construído para que se tenha um cérebro. As células do cérebro (e, por consequência, da consciência) já estão ali, crescendo.”

“Isso é besteira!”

“Nenhum médico vai negar o que eu disse.”

“Por que obrigar uma mulher a cuidar de um filho que ela não quer?”

“Ninguém é obrigado a nada.”

Você tá falando do quê? Adoção? É ridículo! A maioria das crianças vão pra orfanatos ou pra lares abusivos!”

“Isso é uma falácia! Sobre os lares abusivos, eles não são a maioria, não tem nem como ser. É ridículo pensar assim. E depois, se você legalizar o aborto, as crianças vão continuar indo para os orfanatos. Esse é outro problema, muito mais urgente, inclusive.”

“Mais urgente? Qualé, Gabi, estamos falando do seu direito de escolha!”

“Que escolha? Não é escolha se só te é oferecido uma opção.”

“As pessoas têm várias opções, inclusive de não engravidar, mas se engravidar, pode ter o poder de escolher abortar!”

“Você sabe que não é assim. Nós temos escolhas, mas nós temos uma biblioteca no nosso colégio particular, nós temos um pai e uma mãe em casa nos esperando, nós temos celulares de última geração...”

“Aonde você quer chegar com isso?”

“Eu quero chegar ao ponto em que você diz que os países mais desenvolvidos do mundo legalizaram o aborto.”

“E legalizaram!”

“Mas as mulheres que mais abortam nesses países são pobres, porque as mulheres ricas tem outras opções que não abortar.”

“Pelo menos elas não estão morrendo em clínicas clandestinas.”

“Mais uma vez isso é outro problema, não é preciso legalizar o aborto pra resolver isso. De certa forma, eu sou pró-escolha também, mas as boas escolhas.”

O sinal tocou e as duas pararam de conversar. Haviam duas aulas de matemática e duas de Literatura para terminarem a tarde e logo sentiram um grande cansaço, não só da discussão que tiveram, mas também do que teriam que encarar nas próximas horas. Do lado de fora, a chuva ainda caía, mas com menor intensidade.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Aceite! O Covid veio para ficar.

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Semana passada li um artigo alarmante: o risco fantasma do Covid-19.

O artigo fala basicamente que o mais preocupante para o autor, um economista não-otimista, é que as preocupações e o estigma gerado pela crise do vírus chinês irão continuar por muito tempo após essa crise passar. Por fim, a questão não é quando essa crise inteira vai passar, mas quando o estigma vai passar?

Logo no início do texto ele nos apresenta com ideias muito interessantes: o desenvolvimento das vacinas estão muito a frente do esperado, novos e mais baratos testes estão sendo desenvolvidos, novas informações são obtidas diariamente sobre o covid, o que resulta em menos mortes e há uma queda progressiva na mortalidade do vírus. Ele cita o seu condado de habitação, Fairfax, VA, que apresenta dias inteiros sem mortes e eu apresento a minha região, o norte do Paraná, que também apresenta uma taxa de mortalidade muito baixa (sem restrições exageradas às liberdades individuais).

Mas isso basta? Com a mídia incutindo na mente das pessoas números inflados de mortes, dramatizando as tragédias cotidianas e mascarando fatos positivos, não, não basta. Não basta, porque no atual momento, o coronavírus adquiriu um estigma, de acordo com o ponto de vista do autor.

E é algo que eu consigo ver claramente. Semana passada, após um mês em que estava na casa dos meus pais e deixei o meu cartão virar, voltei à academia e qual não foi a minha surpresa quando descobri que não poderia entrar, porque tem que marcar horário agora. Sorte que choveu a semana passada inteira e pude entrar, mas ainda assim, tive que esperar meia hora.

A cidade onde moro está numa situação perfeitamente controlada. Há dias inteiros onde não tem mortes, as unidades de UTI nunca chegaram perto de lotar e a maioria dos infectados apresentam sintomas leves. Ainda assim, tenho amigos que evitam sair de casa, até mesmo pra caminhar; pessoas que só saem de casa pra ir no mercado e na farmácia; enfim, que se comportam como se o fim do mundo estivesse se instaurando.

Mal sabem que o fim do mundo é o estado natural das coisas.

Assim como o autor do artigo na Bloomberg diz, o estigma criado pelo coronavírus não irá nos permitir voltar à nossa zona de conforto. Estava pensando em escrever que já vivemos no melhor cenário e essa é a oportunidade perfeita, mesmo no Brasil: já temos dados que não houve um aumento considerável de casos mesmo após a abertura do comércio, todos os tipos de estabelecimentos estão se adaptando a essa nova situação e se fizer direitinho, dá pra fazer tudo, ir à missa, bares, cinemas, enfim... estamos no melhor cenário.

Ah, mas tem mais de mil mortes por dia!

Bom, estamos numa pandemia, o que você esperava? Há de salientar que a maioria das pessoas que fazem parte das estatísticas de morte já apresentavam comorbidades, portanto, morrer COM Covid não é o mesmo que morrer DE Covid.

Ainda assim, as pessoas não se sentem confortáveis. Vivemos numa época em que uma morte vira notícia de primeira página! Sério, aqui na cidade isso aconteceu. O debate sobre o Covid não é mais pautado pela ciência, muito pelo contrário, é pautado pelo medo, a histeria e, principalmente, a ideologia.

Eu só anseio pelo fim da histeria, só isso.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

#juntospelocinema

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Essa semana Érico Borgo foi amplamente criticado na internet, porque anunciou o Festival De Volta Ao Cinema, uma iniciativa que reúne diversas empresas de cinema brasileiras para incentivar o retorno aos cinemas através da exibição de clássicos do cinema.

Ele foi criticado, obviamente, pela pandemia... as críticas foram as óbvias... vai aumentar o número de casos, as pessoas estão morrendo a rodo, enfim... o blablablá de sempre. Não adianta discutir com essas pessoas, eles não vão mudar de ideia... não adianta mostrar que o pico, provavelmente, já acabou ou que há faixas etárias que tem uma taxa de transmissão muito baixa ou ainda que a flexibilização da quarentena não aumentou os casos da doença. Não adianta... eles não mudam de ideia, porque esse assunto não tem mais nada a ver com ciência, é pura ideologia política.

Mas vale a pena salientar que a iniciativa é muito boa. O festival apresenta diversos clássicos, como Superman de 78, Os Caça-Fantasmas, Tubarão, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Homem-Aranha no Aranhaverso. Claro, tem filmes bem ruins no meio, como os nacionais e Crepúsculo, mas a iniciativa é bacana, pois busca incentivar a reabertura das salas de cinema e também o retorno do público, o qual, ao ver clássicos que ama sendo reexibidos se sentirão mais motivados para saírem de casa.

E aí você pode contestar isso, dizendo que devemos ficar em casa e tal, mas já passamos dessa fase. Essa novela do coronga tem se arrastado por muitos meses e não tem mais como segurar as pessoas em casa, a vida já deveria ter voltado ao normal, mas não é disso que se trata.

Como o próprio site oficial do projeto garante, as medidas de segurança devida serão tomadas: uso de máscaras, monitoramento, distanciamento de lugares e limpeza. Não há porque reclamar ou mesmo achar isso uma irresponsabilidade. Muitos cinemas têm sofrido com essas medidas exageradas, pois nem todos conseguem alugar um espaço bacana pra fazer drive-in e aí, ficam no vermelho, até não conseguir segurar as pontas e falir.

Isso não colocar a economia na frente da saúde, é colocar a saúde ao lado da economia. Essa conversa não é 8 ou 80. Se fizer direitinho, dá pra fazer.

E é por isso que eu apoio o movimento #juntospelocinema e espero que eles tragam de volta para as salas de cinema mais filmes clássicos e que o Festival se repita ano após ano.

Aliás, essa já era uma ideia que eu sempre achei que deveria ser amplamente divulgada, a reexibição de clássicos nos cinemas, porque, afinal, deve ser muito bom ver o filme que você mais curte na telona. Tomara que a ideia resista a turba furiosa de tuiteiros e consiga prevalecer.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Uma nova civilização está nascendo

Homo sum nihil humani a me alienum puto

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Estou maratonando a série Civilisation, que estava devendo há muito tempo e logo, logo deve virar um post aqui no blog. Mas eis que, no episódio 6, Protest and Communication, Kenneth Clark nos apresenta uma situação que muito se equipara aos problemas sociais vivenciados por habitantes do hemisfério ocidental em plano ano da desgraça 2020.

Neste episódio, Kenneth Clark abandona as calorosas terras italianas para tratar da cultura que começava a ganhar força e impulso no norte da Europa e iria mudar a civilização para sempre, através de três personagens principais: Erasmo de Roterdã, Albrecht Dürer e Martinho Lutero.

Como já sabemos pelas lições de história, Erasmo de Roterdã, com suas críticas às instituições de sua época foi um grande influenciador das ideias do revolucionário Martinho Lutero, que rompeu com a Igreja Católica, criando as inúmeras vertentes do cristianismo que vemos até hoje. Dürer foi o artista principal dessa história, na visão de Kenneth Clark. Foi através de Dürer que o mundo pode visualizar como se deu essa história toda, ilustrando o espírito que dominava o norte nessa época.

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Um espírito imponente, voltado ao estudo das letras e não a admiração de imagens, como aconteceu na Itália renascentista, um espírito livre. Não é a toa que Dürer fez um auto-retrato que parecia uma paródia de Jesus Cristo, como se o artista fosse Deus. Algo impensável na época, mas não para o espírito livre, ousado e contestador do povo do norte europeu.

E foi através desse espírito, impulsionado por tais homens ilustres, que a Reforma Protestante aconteceu e com elas as revoluções que acabaram culminando nas Guerras Religiosas. No entanto, um passo antes desse triste fim, algo interessante ocorreu: sendo uma revolução puramente popular, seus manifestantes não se preocupavam com as demonstrações artísticas católicas, não sabendo diferente o valor exterior de seu conteúdo, realizando assim a destruição de imagens

A história parece se repetir, não é?

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Vemos hoje em dia manifestações puramente populares, derrubando as manifestações artísticas que compõem parte da nossa civilização, pois nos aproximam da história, quer goste você ou não.

H.G. Wells em sua extensa obra The Outline of History separou as civilizações em dois tipos: as civilizações de ordem, que deram origem de fato às civilizações, no Egito e Mesopotâmia e as civilizações de vontade, marcadas pelos povos nômades, notadamente os povos do norte da Europa, os bárbaros que os romanos temiam.

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É isso que ocorreu na época de Erasmo, Dürer e Lutero, o embate desses dois tipos de civilizações e o resultado é sempre o mesmo, as civilizações de vontade acabam imperando. Não tem como contornar isso. É uma luta desigual, onde um lado atua através da lei, da temperança e do diálogo e o outro lado atua através da ferocidade, da violência desenfreada e do caos. Um lado quer manter a estagnações ordeira, o outro almeja a destruição das bases civilizações, pois as enxerga como puramente malignas.

É interessante que o próprio Erasmo escreveu, ao ver um grupo de protestantes sair de uma reunião, que os via como que carregando um espírito maligno. O primeiro expoente do protestantismo mesmo viu com horror as consequências de seus questionamentos, os quais deveriam ser muito justos, mas encontraram uma revolução turbulenta com resultados insatisfatórios, como sempre ocorre.

No final, Kenneth Clark nos pergunta, qual papel poderia ter uma mente esclarecida e maneirada numa sociedade em ebulição? A de reclusão, obviamente e aí somos apresentados ao grande Michel de Montaigne, que apesar de ter perambulado por toda a Europa e frequentado os círculos mais importantes de sua época, decidiu viver a vida toda recluso nas terras de sua família, isolado em seu castelo.

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Numa sociedade em ebulição, aos boas mentes não encontram espaço para falar e é exatamente isso que vemos hoje em dia. Ou você é um completo radical de um lado ou de outro, ou você se rende ou se vende, não tem meio-termo e quem é do meio-termo só pode fazer o quê? Dar um passo atrás e se refugir na sua zona de conforto. E eis que vemos produtores de conteúdo se isolando cada vez mais, criando canais de assinatura onde seu conteúdo fica disponível a um público diminuto, porém fiel, redes sociais cada vez mais vazias e, na vida civil, opiniões cada vez mais silenciosas.

Não é a toa que o mercado de produtos por assinatura tem crescido tanto, afinal. Numa época em que ler Monteiro Lobato é problemática, o ato de comprar um livro se tornou perigoso. Pensar é crime.

Isso é claro que é ruim, mas assim como após as Guerras Religiosas uma nova civilização surgiu, a da linguagem, do material escrito, no lugar da civilização da imagem, das pinturas e esculturas, talvez vejamos o nascimento de uma nova civilizações depois de todo esse período de turbulência. Se será bom ou não, isso não nos cabe, mas se virá (e eu tenho certeza que virá), novos gênios também surgirão, inspirando pelas mentes esclarecidas, maneiradas, criativas e isoladas de nosso tempo.

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